APLAUDIDO POR 40 MILHÕES
por Marcos Vinicius Cabral
Em novembro do ano passado, um busto rubro-negro do imortal camisa 5 – que atualmente faz parte do staff de comentaristas da Rede Globo de Televisão – foi inaugurado no Centro de Treinamento George Helal, em Vargem Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro.
– Muito obrigado a todos que ajudaram a realizar o sonho em ter uma estátua no lugar onde nascerão muitos craques – disse na ocasião com o neto João no colo.
Idealizado pelo semovente Sandro Rilho e o Fla-Nação, a escultura do artista Luiz Eduardo dos Santos, ficou à altura da representatividade do Capacete para o clube e casou perfeitamente com o texto assinado por Bruno Lucena.
Mas sobre o busto, mostra um Júnior estilo “Black Power” anos 1970 e 1980, que as gerações tiveram o privilégio de ver e ser locupletados com as conquistas da Libertadores e do Mundial, bem diferente do “Maestro” de 1992 com cabelos prateados que outras gerações seguintes viram na conquista do Campeonato Brasileiro daquele ano.
O registro fotográfico que acompanha esse artigo, em si, já dispensa comentários ou palavras para expressar o quão grande foi esse atleta.
Tão grandioso que se tornou um grande exemplo ao lado do saudoso Carlinhos (1937-2015), dando luz própria e brilho intenso às carreiras de Rogério, Júnior Baiano, Djalminha, Marcelinho, Piá, Nélio, Marquinhos, Paulo Nunes e Zinho, todos campeões nacionais ao seu lado em 1992.
Júnior não chegou à Gávea craque em 1973, mas foi sendo preparado para sê-lo.
Ao ingressar no clube à beira da lagoa, adentrou bruto pelos portões imponentes e teve a sorte de ter bons lapidários dentro e fora das quatro linhas: Modesto Bria, Jayme Valente, Pavão e Carlinhos, apenas para citar alguns.
Foi ganhando forma, se aperfeiçoando com tamanha habilidade, fascinando com sua elegância – ainda que precocemente – e como um diamante, foi desnudado e teve seu brilho mostrado nos gramados.
Deu a sorte – e que mal há nisso? -, pois ela caminha junto com quem é merecedor e trabalhador.
Vaidoso com a aparência ao extremo, fez o seu jogo se transformar em agradável aos olhos daqueles que torciam o nariz ao saber que com o nome de Leovegildo, poderia ser qualquer coisa, menos jogador de futebol.
Mas foi!
E foi também os poucos aprendendo a desvendar os mistérios da bola ao se arriscar, como aves marinhas costeiras ou oceânicas – essas que mergulham em alto mar à procura de alimento para sobrevivência e emergem com o peixe agonizando em seus bicos.
Sua maneira de sobreviver num esporte tão inóspito, foi através da dedicação, do amor e dos treinos exaustivos até o escurecer, onde apenas a lua e as estrelas presenciavam todo seu esforço.
Se privou de muita coisa enquanto suor e lágrima eram confundidos no rosto áspero daquele paraibano que ainda não tinha o famoso bigode, sua marca registrada – além do número 5, é lógico – até hoje.
Foi nas areias das praias cariocas, sua fiel companheira – além é claro, de dona Helô, mandatária do seu coração há 36 anos – que ia se reabastecendo para enfrentar os desafios.
Porquanto a praia foi local de hibernação do Leovegildo nas folgas, o campo, redenção de quem queria que o Júnior se transformasse em alguém na vida.
Batalhou, lutou, conquistou e se tornou verbo obrigatório terminados em “ar” de amar, que todos flamenguistas, conjugam em uma só voz: nós te amamos, senhor Leovegildo Lins Gama Júnior!
E não há de esquecer que Deus escreveu cada capítulo especial nas páginas de sua vida profissional dentro do Flamengo.
Exemplo?
Como explicar ele lateral-direito em começo de carreira (lembram do gol contra o América/RJ na final do Carioca em 1974 do meio campo?), não ter que disputar posição com Leandro, recém chegado de Cabo Frio (e aprovado) em 1978 como lateral-esquerdo por Américo Faria?
“Obrigado, Senhor”, diriam os torcedores mais torcedores de todos os torcedores, por não vê-los disputar posição no mesmo Flamengo que ganhou tudo a partir de 1980.
E convenhamos, tanto Leandro como Júnior, foram monstros em sua pluralidade como jogadores.
Sobretudo enquanto um foi fazer sua independência financeira na Itália, por onde encantou os italianos do Torino e Pescara em cinco temporadas – daí vem o apelido de “Maestro” -, o outro permaneceu aqui desfilando sua elegância vestindo as camisas 2 e 3 e assombrando com suas pernas tortas e joelhos deteriorados.
Não obstante a isso, as homenagens nada mais são do que merecidas de quem foi e continuará sendo ao lado de Zico e Leandro – ambos reconhecidamente em estátuas também – a divina trindade rubro-negra nesses quase 124 anos.
O Museu da Pelada dedica um feliz aniversário para você Júnior, que completa hoje 65 anos de vida.
Lembranças de Mário Vianna
MÁRIO VIANNA, O VAR RAIZ
Em tempos de discussões infinitas sobre o VAR, a equipe do Museu da Pelada foi atrás da história de Mário Vianna, um dos árbitros mais famosos do futebol brasileiro! Para isso, reunimos Marcello Vianna, neto do saudoso juiz, e Léo Feldman, o homem que apitou a decisão entre Flamengo x Vasco com gol do Pet, na Federação de Futebol do Rio de Janeiro.
Por lá, o respeito pelo avô famoso está estampado pelas paredes. E Léo Feldman não escondeu sua felicidade por ser escalado para relembrar a história do árbitro:
– Ele sempre foi conhecido pela honestidade. Isso traz orgulho aos parentes e aos amigos! Estou muito alegre por estar participando desse momento. Muito obrigado por essa oportunidade! – agradeceu Feldman.
Apesar de jovem, Marcello chegou a pegar o final da carreira de Mário Vianna e teve o privilégio de estar com que construiu a história do nosso futebol:
– Ele morreu em 89. Cheguei a visitar cabines de rádio e até hoje ouço muitas histórias dele porque meu pai era fã número 1!
Entre as inúmeras histórias, uma despertou a risada de todos: tratava-se de um soco dado pelo árbitro em um italiano que não gostou de uma marcação durante a Copa do Mundo de 1954, no duelo entre Itália x Suíça! O mais curioso é que, após o golpe, Mário Vianna disparou: “Pode mandar ele voltar, se estiver em condições de jogo”.
Depois que pendurou o apito, se tornou comentarista de arbitragem e, com seu inseparável binóculo, não hesitava na hora de dar a sua opinião sobre os lances.”ERRROOOU” e “GOOOL LEGAAAL” eram alguns dos clássicos bordões que ecoavam no Maracanã de 150 mil pessoas!
– O que vocês estão fazendo não tem preço. Estão dando dignidade a história de um dos grandes árbitros do futebol brasileiro! – nos parabenizou Feldman.
A resenha terminou com chave de ouro, com um abraço de Feldman e Marcello Viana!
Festa do PC Caju
70 ANOS DO CAJU
entrevista: Sergio Pugliese | texto: Walter Duarte | vídeo: Rodrigo Cabral
Existem certas oportunidades e prazeres na vida que não podemos deixar passar impunemente. Jogar uma pelada no “Caldeirão do Albertão” no Grajaú com rapaziada do Museu da Pelada é uma delas, o que me remete às peladas da velha guarda de Campos. Não poderia recusar o convite do amigo Sergio Pugliese para estar naquele espaço de descontração e amizade. Ficou latente para mim desde a primeira vez que lá estive que o Caldeirão é um dos “templos das peladas” do Rio de Janeiro e certamente um patrimônio imaterial em nossos corações. Não obstante a tudo isso, existiu um motivo especial para celebrarmos. O craque PC Caju, ídolo do Botafogo, Flamengo, campeão mundial de 70 e da histórica máquina tricolor, estaria ali comemorando mais um ano de vida com seus amigos e grandes feras do futebol.
Uma festa planejada com carinho pelo Museu da Pelada e o nosso anfitrião Alberto Ahmed, naquele ambiente mágico e de natureza exuberante.
Tivemos de tabela o prazer de rever os craques da “Selefogo” como Afonsinho, Carlos Roberto, Nilson Dias, Roberto Miranda, Moreira, Nei Conceição e o Galdino do meu Vascão (aliás o PC também jogou lá). Sem falar nas lendas do futebol de areia, Neném e Magal, além dos nomes consagrados do futebol de salão nacional, Sergio Sapo e Ney Pereira.
Diante deste grupo seleto, lembrei da música do Erasmo Carlos “festa de arromba” , pelo viés futebolístico, tamanha concentração de craques. Mas faltava conhecer o aniversariante. Meio sem graça pedi ao Pugli: “Apresenta-me ao PC para umas fotos”. Como poderia perder a chance de estar próximo e “tietar” um dos nomes mais consagrados do futebol mundial? Pensei até que ele me faria à pergunta clássica: Você “chupou laranja” com quem? Kkk e no final deu tudo certo. A resenha de qualidade, como era de se esperar, foi o ponto forte desse encontro, coisas que não vemos por aí com tanta facilidade, nem mesmo nos canais esportivos de grande repercussão.
Seria impossível com tanto talento por metro quadrado não se emocionar e recordar os grandes feitos dessas legendas do futebol. Perceber a degradação do futebol, hoje tão limitado por táticas defensivas e pelo desprezo da técnica apurada nos faz refletir de quanto estamos órfãos de craques de verdade, e muito também de personalidade. Existem, é claro, os partidários da ignorância da objetividade que diriam que isto faz parte da “evolução” natural do futebol, sinal dos novos tempos…
A propósito o PC nunca se conformou com esta toada de mediocridade que tomou conta do futebol brasileiro, motivo de belas crônicas que ele produz, com a certeza de quem jogou o “fino da bola” e de ser contemporâneo de umas das mais belas páginas do futebol. Não será em vão para nós “pobres mortais” e peladeiros de ofício ter a nobre missão de não deixar perecer estas lembranças maravilhosas do futebol arte e do legado que nos fez respeitar.
Foi um dia para não se esquecer com a grata satisfação de ver a alegria e o brilho no olhar dos nossos craques e colaboradores do Museu da Pelada, nesses encontros fabulosos, com um turbilhão de emoções. Desejamos muitos anos de vida PC! Que Deus o abençoe! E para terminar, imagino o saudoso Bob Marley, seu grande amigo, participando daquela roda de Samba, seria fantástico. De onde ele estiver estará feliz de saber que a sua energia positiva continua forte e que aquele espírito de sabedoria e satisfação pela vida continua brindando a todos nós!
EDMÍLSON, RETRATO DA INTELIGÊNCIA TÁTICA
por Luis Filipe Chateaubriand
Em evento de La Liga, no Shopping Rio Sul, em Botafogo, no Rio de Janeiro, nosso líder do Museu da Pelada, Sergio Pugliese, encontra Edmílson, penta campeão mundial com a Seleção Brasileira.
Pugliese indaga ao pentacampeão se conhece o Museu da Pelada. O craque responde que sim, que sempre recebe os vídeos e textos do Chateaubriand – este que vos escreve.
Com efeito, eu trabalhei com o Edmílson em 2016, pois ele coordenava um grupo de trabalho da Confederação Brasileira de Futebol sobre o calendário de nosso futebol, e participei do grupo.
É bem verdade que não fiquei até o fim, pois, ao discordar dos rumos do debate, me retirei do grupo. Mas ficou o respeito mútuo.
O aspecto marcante do futebol de Edmílson é a inteligência tática aguçada: quando sentia que o adversário era muito perigoso ofensivamente, se posicionava atrás dos dois zagueiros, tornava-se um líbero e, com isso, reforçava o setor defensivo; quando sentia que o adversário não ameaçava tanto ofensivamente, se posicionava à frente dos dois zagueiros, tornava-se um volante e, assim, contribuía no apoio ofensivo.
Jogador técnico e inteligente, deixou inestimável contribuição para São Paulo, Barcelona e Seleção Brasileira.
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebolhá 40anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email:luisfilipechateaubriand@gmail.com.
FUTEBOL, SUPERSTIÇÃO E RELIGIOSIDADE
por Victor Kingma
Suécia, 1958. Após uma campanha brilhante, o Brasil chegou à decisão da 6ª Copa do Mundo como grande favorito. Ninguém podia imaginar que a aplicada seleção sueca pudesse fazer frente ao futebol arte de Didi, Garrincha e Pelé, que vinha encantando o mundo. Ainda mais após a exibição de gala nas semifinais, onde tinha goleado por 5 x 2 a poderosa seleção da França, de Kopa e Fontaine.
Entretanto, a dois dias da final, os organizadores tinham um grande problema a resolver: as duas seleções utilizavam o uniforme amarelo. Normalmente, seguindo as regras do cavalheirismo esportivo, muito comum naquela época, esperava-se que os anfitriões, como gentileza, permitissem que os visitantes utilizassem o seu uniforme oficial. Mas os dirigentes suecos não o fizeram, e a FIFA, sem alternativa para o impasse, marcou um sorteio para decidir quem teria que utilizar camisas de outra cor.
O Brasil, em protesto, não enviou representante para acompanhar. E não deu outra. Perdeu o sorteio, que muitos acreditam tenha sido manipulado. Não poderia, então, jogar com a sua tradicional camisa amarela. Pior: o branco era o outro uniforme disponível para disputar a finalíssima.
Começou então o drama. Supersticiosos, vários jogadores e integrantes da delegação brasileira logo se lembraram da Copa de 1950, onde o Brasil, mais favorito ainda e jogando com camisas brancas, inexplicavelmente perdera a Copa para o Uruguai em pleno Maracanã, na maior tragédia da história do nosso futebol.
Diante do clima de preocupação que tomou conta de todos, Paulo Machado de Carvalho, o chefe da delegação, resolveu, então, apelar para a superstição e religiosidade dos brasileiros: a seleção disputaria a final da Copa com a camisa azul, cor do manto de Nossa Senhora Aparecida.
E ainda lembrou aos jogadores que, nas últimas cinco Copas disputadas, quatro delas foram vencidas por seleções que utilizaram camisas azuis, recordando os feitos da “Azurra” Italiana em 1934 e 1938 e da “Celeste” Uruguaia em 1930 e 1950.
Um uniforme azul foi então comprado às pressas em uma loja de artigos esportivos, em Estocolmo. Mário Américo, o massagista, e Assis, o roupeiro, passaram o sábado, véspera do jogo, costurando os números e os escudos retirados das camisas amarelas.
No domingo, 29/06/1958, dia da grande final no Estádio de Rasunda, na Suécia, os nossos craques, livres da “maldição” da camisa branca e protegidos pelo manto sagrado da padroeira do Brasil, fizeram prevalecer a sua classe e, ao vencerem a Suécia por 5 x 2, conquistaram a primeira Copa do Mundo para o nosso país.
Esse fato, inclusive, é contado com detalhes por Ruy Castro numa de suas grandes obras, o excelente livro Estrela Solitária, um brasileiro chamado Garrincha.
Na foto, a Seleção Brasileira, campeã do mundo, em 1958, posando com o uniforme azul improvisado para a final:
Em pé: Djalma Santos, Zito, Bellini, Nilton Santos, Orlando e Gilmar.
Agachados: Garrincha, Didi, Pelé, Vavá , Zagallo e o massagista Mário Américo.