LUISITO FALOU
por Claudio Lovato Filho

Luis Suárez não é ídolo por acaso. Não é ídolo apenas porque joga muito ou porque é totalmente comprometido com os objetivos da equipe da qual faz parte ou porque não economiza esforços durante cada minuto em que está em campo. Uma parte muito importante da condição de ídolo que Luis Suárez sustenta é a sua liderança.
Luisito é um daqueles caras que se sentem bem, sem sente em seu elemento fazendo parte de um grupo de atletas profissionais, cidadãos, pessoas que representam uma coletividade, seja ela um clube ou um país. Luisito tem uma causa: o futebol, a seleção uruguaia, o Uruguai. E quando escrevo “futebol” me refiro ao amor pelo jogo em si e incluo nisso a completa entrega aos clubes pelos quais passou (entre eles, para meu grande orgulho, o Grêmio).
Por uma “questão de convivência” (em suas próprias palavras), Luisito foi a público dizer o que tinha a dizer só depois de se aposentar da seleção uruguaia. Em entrevista à DSports Uruguay deu detalhes sobre o ambiente atual na Celeste, cujo técnico é Marcelo Bielsa. Luisito disse que o treinador sequer cumprimenta os jogadores e que há casos de desrespeito, com os ocorridos com o centroavante Canobbio, tratado como “sparring” nos treinos da Celeste. Em outro episódio, o técnico argentino, de acordo com o relatado, pediu que os jogadores não cumprimentassem os torcedores uruguaios na entrada do hotel de uma das cidades-sede da Copa América, nos Estados Unidos. Além disso, de acordo com Luisito, Bielsa não permite que os funcionários tenham contato mais próximo com os jogadores, nem mesmo que os cumprimentem ou tampouco façam refeições com eles no Complexo Celeste, como é (ou era) hábito na seleção uruguaia.
Luisito não se calou enquanto estava lá dentro. “Como capitão, em agradecimento ao povo, paramos todos”, respondeu ao treinador diante do pedido para que os jogadores ignorassem os torcedores agrupados na portaria do hotel. Em outra ocasião, atendendo a um pedido dos jogadores, Luisito foi falar com Bielsa. Queria transmitir o pedido dos colegas para que Bielsa ao menos os cumprimentasse com um básico “bom dia”. Sentou-se à frente do técnico e, por cinco minutos, disse-lhe, entre outras coisas, que estavam todos no mesmo barco. Bielsa, conforme contou Luisito, se limitou a dizer: “Muito obrigado, Luis”. Então o maior artilheiro da seleção do Uruguai, autor de 69 gols em 143 partidas, se levantou e foi embora.
Luisito Suárez pediu ao torcedor uruguaio: apoiem os jogadores. Ele saiu da seleção, mas a seleção não saiu dele. Seus companheiros continuam sendo seus companheiros. Ele não se esqueceria deles, porque é um líder. E um líder de verdade, como Luisito Suárez, não aceita passivamente que seus companheiros sejam maltratados.
Fosse um outro, poderia dizer para si mesmo: “Isso não é mais problema meu”. Mas não. Ele falou. Há quem concorde com maneira como ele agiu, há quem discorde. O meia Valverde disse: “É tudo verdade. Não mentiu nem exagerou em nenhum momento”. O goleiro Rochet também confirmou tudo, mas fez a ressalva de que, em sua opinião, o assunto deveria ser resolvido internamente, “a portas fechadas”. Valverde concorda com Rochet. Fica, então, a pergunta: e o torcedor uruguaio, ele não tem o direito de saber o que acontece nos bastidores da sua seleção?
Foi um desabafo, uma crítica e uma denúncia. Talvez Bielsa venha a público para se defender. Talvez não faça isso. Tem direito de falar ou se calar. O fato é que Suárez expôs uma situação potencialmente perniciosa e provavelmente a estancou. À sua maneira – uma maneira pouco usual no futebol de hoje, em que, cada vez mais, cada um pensa em si –, Luisito pode ter conseguido o que todos os jogadores queriam: uma mudança para melhor no relacionamento com o treinador.
Luisito falou pelos seus companheiros, todos mais jovens – e este é um ponto muito importante nessa história. Falou também pela seleção do seu país, e quem acompanha a carreira dele sabe o quanto tudo isso é importante para ele: os companheiros, a seleção, o Uruguai.
DENÍLSON, REI ZULU, CACIQUE DE RAMOS
por Paulo-Roberto Andel

Garoto ainda, Denílson já tinha atitude. Aos dezoito anos, em 1961, jogava no Madureira. Cansado dos salários com meses de 150 dias, deu no pé.
Tomou coragem e foi no Fluminense. Cortou um dobrado na portaria, mas conseguiu entrar e, no estádio lendário, conseguiu chegar perto do Mestre Zezé Moreira. Deixou o medo pra trás e simplesmente pediu uma chance para treinar. Só saiu do clube treze anos depois. E cinco anos passados do pedido para treinar, estava na Copa do Mundo defendendo o Brasil.
Nelson Rodrigues, eterno, o apelidou de Rei Zulu com a estupenda precisão de sempre. Waldyr Amaral, a voz do rádio carioca, o chamou de Cacique de Ramos. Preciso também.
A Era Denilson começou de vez com o título carioca de 1964. Depois demorou um tempinho, mas o fim da década seria esplêndido: o Fluminense foi campeão carioca nas decisões apoteóticas de 1969 e 1971. Entre ambas, campeão brasileiro de 1970. Uma potência. Depois voltou a ganhar o Carioca em 1973. No meio do caminho, faturou três Taças Guanabara – uma façanha para qualquer jogador da história tricolor.
O Mestre Nelson era encantado com as passadas largas e elegantes de Denílson. A torcida tricolor inteira era. O futebol foi sendo lapidado por Tim e Telê Santana. Precisa mais? Sim. O querido e amado Helio Andel dizia “Ele era implacável”, e creio que Mendel Chapiro diria o mesmo.
Quando deixou o Fluminense para jogar no Rio Negro do Amazonas, Denílson já estava consagrado como um símbolo do clube. A revista Placar em outubro de 1970 cravava: “Não tente passar por Denílson. Ninguém passa”. Era quase uma premonição do título nacional que estava a caminho. Ninguém passava por Denílson naquele que, para muitos especialistas, foi o Campeonato Brasileiro mais difícil de todos os tempos, com todos os craques tricampeões no México presentes, além de outros 30 que não foram à Copa. O Rei Zulu encarou todos, viu e venceu. Foi campeão com a mesma coragem que um dia empenhou para jogar no Fluminense.
Nos últimos 50 anos, ele foi um discreto ícone do clube, unanimidade entre todos que o viram jogar. A elegância carregava um tonel de garra que poucas vezes se viu no Maracanã com a mesma intensidade, nos anos em que o Brasil realmente tinha o melhor futebol do mundo.
O Fluminense e sua torcida precisam enaltecer o Rei Zulu. Ele pode ter ido embora fisicamente, mas sua presença na eternidade tricolor é certa. São muitas e muitas histórias. Ninguém aprende com Zezé Moreira, Tim e Telê à toa.
@pauloandel
Hasta la vista
por Val Zeca

O árbitro nem havia apitado o fim da partida quando
ele foi convidado a se retirar. Partiu amparado pela
mano D10S ao som do último Tango de Gardel,
alguns dizem que foi jogar lá o céu, outros nem tanto.
Mas, creio que ele ainda passeia pelos campos, nos
pensamentos, nos corações dilacerados de nossos
hermanos, napolitanos, gregos, ingleses e Troianos.
Na terra venceu várias batalhas como aquela mundial
de 1986. Gênio, quando deixou caído ao chão vários
soldados da Rainha. Era odiado por muitos e sempre
adorado, amado e venerado por seu povo e pelos
amantes do futebol arte. Era verdadeiro anti-Herói
canhoto, já nasceu torto, avesso aos imperialistas. Seus
adversários ficaram vesgos ao vê-lo desfilar nos
tapetes verdes do mundo. Pediam clemência mas
vossa majestade não tinha complacência. Era
implacável com sua metralhadora giratória de canhota
que assassinava em campo todos os incautos e fora
dele também os hipócritas com sua maledita Boca F.C.
hastá lá vista Dieguito.
ABANDONADOS F.C.
por Val Zeca

A se não fosse os campos
de lama, as bolas de meia
que rolavam num chão sem grama chutando pedras e o asfalto
com os pés descalços, despidos
e descamisados e um sonho de ser Garrincha ou Pelé sem lápis nem caderno só a alegria
De canetas, carretilhas
E lambretas não tinha medo
Nem receio de caras feias
caretas e músculos
Podiam fazer fila que fintávamos
até maus pensamentos, fome,
Tristeza até mesmo a desilusão.
Os choros de alegria eram
com golaços e bolas na trave
da imaginação sem impedimento,
sem árbitro, juiz ou julgamento
O que valia era aquele momento
Onde tudo valia na disputa da bola
De três dedos, trivela ou de sola
Assim era famoso ranca toco
rua dos abandonados contra
rua dos excluídos O pau quebrava,
O coro comia só não valia xingar a mãe por que as vezes nem tinham
Ali se estreitava os laços,
se fazia amigos e muitas Amizades Mesmo sem nunca ter ganhado um jogo.
FLUMINENSE
por Rubens Lemos

Com 27 pontos namorando a Zona de Rebaixamento e apanhando até mesmo do Vasco da Gama por 2×0, o Fluminense nem é sombra do timaço montado pelo presidente Francisco Horta em 1975 muito menos do outro esquadrão vitorioso tricampeão em 1983/84/85 e campeão brasileiro de 1984.
Há um livro que faz comparação entre as duas forças de expressão superior. Em 1975, ano que vem 50 anos, para dar uma reviravolta no futebol carioca, Francisco Horta topou com os outros grandes a permuta de jogadores. A média de público no Ex-Maracanã chegava a 100, 150 mil pessoas nos clássicos.
O ponto de partida para a euforia foi a contratação do gênio Rivelino ao Corinthians, uma transação para lá de confusa. Rivelino saía humilhado pelo Timão após a perda do Campeonato Paulista para o Palmeiras em 1974, fazendo completar 20 os anos sem conquistas.
Rivelino não teve culpa nenhuma de jogar com colegas de baixo nível, se desdobrou, deu carrinho, driblou elasticamente, mas perdeu o duelo para o estilo cerebral e cadenciado de Ademir da Guia, que controlou a partida até o gol do mineiro Ronaldo, fazendo vibrar 20, das 120 mil pessoas presentes ao Morumbi.
Então, Horta concluiu: vou trazer o melhor jogador do país para sacudir o Fluminense e conseguiu, reunindo banqueiros e emitindo promissórias para garantir o preço exigido pelo duro na queda Vicente Matheus.
O Fluminense montou a primeira versão da Máquina Tricolor com Félix; Toninho, Assis, Silveira e Marco Antônio; Pintinho, Rivelino e Paulo César Caju; Cafuringa, Manfrini e Mário Sérgio. Esse time foi supercampeão num triangular com o Botafogo. Na estreia impôs 4×1 no Vasco dando toquinhos exuberantes e passes de curva. O Vasco apelou para a violência.
O Campeonato Brasileiro seria o objetivo seguinte do tricolor e nas semifinais o jogo foi contra o Internacional de Falcão, Carpegiani, Figueroa e Lula. Era um jogo só e no Rio de Janeiro. Frio e técnico, o Internacional meteu 2×0 sem dificuldades com gols de Lula e Carpegiani. Horta sofria a primeira decepeção com seus excepcionais jogadores.
Em 1976, trouxe Renato, do Flamengo, para o gol, Carlos Alberto Silva para a lateral-direita, trocou o vascaíno Miguel por Abel, Zé Mário e Marco Antônio do Vasco, do Botafogo chegou Dirceu, trocado por Mário Sérgio e o Campeonato Carioca foi outro passeio. Na final, vitória sobre o Vasco por 1×0, gol de Doval, no minuto final da prorrogação.
Só restava esperar o Brasileirão. Semifinal contra o Corinthians e 70 mil paulistas invadiram o Rio de Janeiro e foram ao estádio guerrear berrando. Temporal na cidade, gramado pesado, o Fluminense fez um golaço com Pintinho batendo de chapa na bola no canto de Tobias. Logo, Ruço, de meia-puxeta, empatou para o Timão.
Nervoso, o tricolor perdia a segunda semifinal nos pênaltis e Francisco Horta perdeu a racionalidade, fazendo um terceiro troca-troca em que cedeu ao Botafogo três craques de seleção: o lateral Rodrigues Neto, o ponta-direita Gil e o meia e ponta-esquerda Paulo Cézar Caju por Marinho Chagas, que jogava tudo, mas o negócio foi mal feito. O Fluminense não decidiu o Carioca e ficou entre os 30 primeiros colocados no Campeonato Brasileiro.
Nos anos 1980, o jogo coletivo se sobrepunha ao individualismo e o Fluminense, com sua tradição de formar “timinhos”, montou um time baseado nos atacantes Assis e Washington, trazidos do Atlético Paranaense. Trouxe os ex-juniores do Internacional Branco e Tato e efetivou o goleiro Paulo Vítor.
Ganhou o campeonato de 1983 no minuto final: 1×0 no Flamengo, gol de Assis. Que arrebataria o bicampeonato vencendo por 1×0 em 1984, ano em que Romerito matou o habilidoso Vasco vencendo por 1×0.
Em 1985, o árbitro José Roberto Whrigt deixou de marcar um pênalti sobre Cláudio Adão do Bangu, evitou o empate e o Fluminense venceu por 2×1. Dois times muito bons, mas a verdadeira diferença estava no pé canhoto de Rivelino, o ídolo de Maradona. Foi para ter um pretexto de falar sobre ele que escrevi este texto.