O CRAQUE DO BRASIL EM 1987
por Luis Filipe Chateaubriand
Depois de cinco anos jogando no Grêmio de Porto Alegre, em 1987 Renato Gaúcho desembarcava no Rio de Janeiro, para jogar no Flamengo.
O início, na disputa do Campeonato Carioca, foi difícil.
Fora de forma, apresentou um futebol apenas mediano.
Um jogador com porte físico avantajado, como Renato, tem mais dificuldades de entrar em forma do que jogadores mais leves, naturalmente mais afeitos a adquirirem condicionamento físico.
No entanto, veio o Campeonato Brasileiro.
E, aí, a história foi outra.
Vimos um jogador que, em forma, corria o campo inteiro, fazia cruzamentos certeiros, lutava pela bola, e a recuperava muitas vezes, tinha uma raça incomum, entortava marcadores, fazia gols e sofria faltas, para Zico bater.
O homem parecia estar possesso!
A cara de Renato Gaúcho naquele campeonato foi o lance do jogo da semifinal contra o Atlético Mineiro, em Belo Horizonte em que, com o jogo empatado em 2 x 2 e já quase aos 40 minutos do segundo tempo, Renato arranca quase do meio campo, dribla o goleiro João Leite e toca a bola para o fundo do gol.
Quase no fim do jogo, o cara ainda foi arrumar fôlego para fazer isso…
Por essas e outras, Renato ganhou a Bola de Ouro da Revista Placar daquele ano.
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!
O JOGO DE FUTEBOL 10 X 10
por Luis Filipe Chateaubriand
Uma crítica muito comum que é feita ao futebol da atualidade é que há poucos espaços e, assim, a criatividade dos jogadores não aflora como em épocas pretéritas.
São, assim, mais raras as tabelinhas, os lançamentos em profundidade, os cruzamentos diretamente da linha de fundo, as penetrações em “facão”, as metidas em diagonal de trivela.
Isto acontece, indubitavelmente, porque o preparo físico dos atletas foi evoluindo ao longo do tempo e, com isso, as distâncias percorridas tornaram-se muito maiores e os espaços, obviamente, diminuíram.
Então, para que o jogo possa ter a plasticidade de anteriormente, é preciso criar espaços.
E a maneira mais elementar de criar espaços é diminuir o número de jogadores em campo – ao invés de 11 contra 11, 10 contra 10.
Reduzir o número de atletas, de 11 para 10, de cada clube, permitiria, ademais, que o meio campo ficasse menos congestionado do que atualmente, porque seria exatamente no meio de campo que surgiriam mais espaços.
Isso porque os times não iriam tomar a decisão de desfalcar algum setor do campo para compensar a perda de um jogador, então este seria retirado exatamente do setor onde há mais jogadores, a “meiuca”.
Como se sabe, é exatamente quando há o melhor aproveitamento do meio de campo que os times costumam ganhar jogos.
Portanto, reduzir o número de jogadores para cada time, de 11 para 10, aumenta os espaços para se jogar, e o faz especialmente no meio campo, o que propicia um futebol mais atraente e bem jogado.
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!
A FORCA
por Zé Roberto Padilha
Essa cena aí, do encontro preciso nas alturas entre o matador e sua arma, dificilmente você verá acontecer junto às novas gerações. Isto porque tiraram dos clubes, principalmente nas divisões de base, na obsessão de alcançar um maior rendimento físico, uma ferramenta essencial no aprimoramento dos fundamentos dos jogadores: a forca.
Era um poste de Madeira que possuía uma bola de futebol presa por uma corda. O preparador físico calculava, de acordo com seu tamanho, uma altura que você poderia alcançar. Não era salto em altura. Era tempo da bola.
Como um pêndalo, um balanço, você ficava a calcular em qual tempo você a alcançaria. Com os treinamentos, encontrávamos o momento certo do cabeceio. Sábios treinadores, como Pinheiro, aproveitavam para introduzir os goleiros para que aprimorassem o tempo de cortar um cruzamento. Nielsen, Roberto, Paulo Sérgio, Paulo Goulart, da nossa geração, foram seus melhores alunos. E essa conquista, como andar de bicicleta e datilografar na máquina de escrever Remington Rand, você jamais esquecerá.
Ninguém ensina jogar futebol. Se alguém ensinasse estaria muito rico porque tem pai que daria o sítio para ver seu filho no Maracanã. Mas aprimorar fundamentos pode.
Quem fica, hoje, no Ninho do Urubu, como Zico, treinando cobranças de falta após os treinos? E cadê o tempo para gravar um comercial para a Adidas? Aí fica o narrador lembrando quando o Diego, de tiara, vai cobrar a sua: a última vez que o Flamengo fez um gol de falta foi contra o Cobreloa…
Tecnologia de ponta, escaltes, aparelhos que marcam passes, gráficos que rastreiam a movimentação, aparelhos de última geração mostrando o ar contido nos pulmões. Mas quando o Egídio vai a linha de fundo e a bola vai até o segundo andar…
Outro Fred?
Vão chegar antes ou depois naquela bola. Para ele, foi como andar de bicicleta de BH até o Rio. Para mim, escritor tricolor, restou buscar nas teclas e descrever momentos mágicos, como de um gênio e seu objeto de desejo se encontrando no ar, que dificilmente assistiremos outra vez.
Obs. Para ser justo, Renato Gaúcho mandou fazer duas para o Grêmio. Geromel e Diego Souza melhoraram muito.
MODA OU FUTEBOL?
:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::
Estava assistindo Palmeiras e Santo André _ tomei Rivotril antes _ e não há a menor dúvida que para o jogador atual o futebol está em terceiro plano. A moda vem em primeiro, a maratona vem em segundo e a bola de vez em quando aparece. O jogo parecia um desfile de modelos velocistas. Como essa rapaziada de hoje corre! Tanto que às vezes esquece da bola. Todos com tatuagens de marcas de beijo, tigres, leões, aves de rapina e caveiras. Tem de tudo.
Os penteados são variados e vão do moicano ao que o Neymar esteja usando. As coxas precisam estar bem depiladas e musculosas para o shortinho ser levantado sem maiores problemas. Uma chuteira de cada cor, claro! Só para não acharem que é preconceito de minha parte vou logo avisando que na minha época ganhei o apelido de Craque da Moda, do locutor Valdir Amaral. Não sou contra piercing, sobrancelhas feitas e maquiagem desde que o futebol de qualidade venha junto. Assistam os jogos da NBA e entenderão o que falo.
Nessa foto com o Riva, de 1971, eu visto um terno francês Renoma e ele o uniforme da delegação, caretaço, da Casa José Silva. E olha que era uma viagem pela seleção brasileira, hein. Me vestir bem, de forma extravagante em algumas ocasiões, não era para afrontar ninguém, mas uma forma de me impor, de conquistar meu espaço em uma sociedade de maioria branca.
Sempre frequentei bons restaurantes, adorava a Churrascaria Carreta e o bar Zeppelin, em Ipanema. Vivia no Barril, no Arpoador, point do colunista Ibrahim Sued, de João Saldanha, e de Carlinho Niemeyer, do Clube dos Cafajestes e criador do Canal 100. Usava roupas da Biba, Company, Krishna, Smuggler e curtia belos relógios. Não me constrangia em entrar em lojas caras. Gostava de boates, da Zum Zum, da Sashinha, do Le Bateau e de carrões, como meu Puma mostarda e o Fiat Spider laranja. A Avenida Atlântica era lotada de concessionárias. Mas eu não via jogadores de futebol pretos em nenhum desses espaços, pouquíssimos, raríssimos.
O penteado, as roupas são formas de expressão, um grito de liberdade. Os jogadores quando entram em campo como se fossem para uma festa vulgarizam a moda e dão um bico no futebol e quem paga o pato é o torcedor. Se já não fosse o bastante, ainda temos que ouvir os comentaristas falando que fulano entrou pela diagonal, saiu pela vertical, quebrou a linha adversária e marretou a bola!
NARRADOR DE FUTEBOL
por Rubens Lemos
Sonhava ser narrador de futebol. Razão lógica: era um perna de pau, nunca teria chance de copiar meus ídolos. Incapaz de um drible, zagueiro medíocre, admirava a categoria dos domadores de multidões em estádios lotados.
Queria ser Marco Antônio Antunes, o Garotinho da Copa, queria ser Hélio Câmara(foto), maior comunicador de massa do Rio Grande do Norte, em centésimos transitando da emoção sequencial do jogo à tiradas hilárias da filosofal atmosfera de uma arquibancada de cimento quente.
Hélio Câmara irmanava alvinegros e rubros na explosão de um clássico em narrativa a transformar a peleja em última e apocalíptica. Os dois , Marco Antônio e Hélio Câmara, amigos e companheiros de jornada do meu pai, Rubens Lemos, o “Comentarista de Classe”. Hoje, o gaúcho Marcos Lopes, honra a tradição dos antepassados.
O jeitão rococó e empolado da TV Tupi, com velhos remanescentes preocupados em exibir conhecimento de vocabulário sem vibração, me levava à idolatria do rádio.
Aqui e no Rio de Janeiro, sintonizador pulando entre a Nacional de José Carlos Araújo(o melhor de todos os tempos) e a Globo de Waldir Amaral e Jorge Coury.
O narrador sempre protagonizou vitórias amplificadas e impossíveis. No silêncio vazio e amargo das tardes perdidas no Castelão, quando o América vencia por 1×0, criava, na insônia do domingo para a segunda, bordões e jogadas fáceis de acontecer na imaginação maior que a sentença do clássico.
No quarto mais escuro de tristeza, desenhava como se minha fosse a latinha: ” Atenção, Danilo Menezes, Rei do Castelão, limpou um, fintou o segundo, lançou, falhou Argeu, entrou Noé Silva, atirou é gol!” O 1×1 se restringia ao meu silêncio e ao conforto sem efeito algum. O narrador dentro de mim significava a alegoria do carnaval particular perdido.
Luciano do Valle
Emoção nas transmissões de TV chegou com Luciano do Valle, estabelecendo o bom meio-termo entre a eletricidade fantasiosa de quem descreve para quem está em casa, refém angustiado e o ritmo tenso que parecia contagiar os times em campo.
O primeiro gol que vi narrado por ele foi de Roberto Dinamite batendo o pênalti decisivo para o título carioca do Vasco em 1977. Vascaíno sobrevive do que já passou, do que é memória, nostalgia.
Me ganhou em outro grito de legitima verdade – relação que deve prevalecer entre o locutor e o ouvinte ou telespectador. O gol de Rivelino aos 44 minutos do segundo tempo, quase caindo, Ex-Maracanã lotado, no empate em 1×1 contra a poderosa Alemanha Ocidental campeã mundial na época.
Em 1977, estava selada a minha fidelidade a Luciano do Valle. Enquanto seus colegas se esgoelavam narrando o gol de Basílio, libertador dos 23 anos sem título do Corinthians no Campeonato Paulista, ele transmitia profissionalmente com a alma doída. Torcia com fanatismo fora do microfone pela Ponte Preta e cumpriu sua missão com voz grave.
Hoje a melhor diversão dos homens em paz reclusa(opcional e prudente) é ficar em casa. Refugiados por tédio, Covid e violência.O futebol se vê no Led da tela do aparelho moderno, o esporte se multiplica por canais inteiros, repetitivos e salgados no preço.
Nos anos 1980, Luciano do Valle nos oferecia tudo desse jeito e de graça. Claro, jogos do Brasileirão eram raros. Fartos para nós, adolescentes da escala distante dos deslumbramentos, por opção e circustâncias, sempre foram os shows dominicais. O boxe virou rotina com o caricato Maguila e o ótimo Tomaz da Cruz, o basquete encantava com Hortência e “Magic” Paula, Oscar e Marcel.
O voleibol da geração de prata, Renan, Bernard, Montanaro e o suspiro de nossas recatadas namoradinhas, fãs de Paulo Ricardo e do RPM . Sinuca virou febre. Saiu dos botequins para as telinhas. Rui Chapéu tornou-se ídolo, surrado por Cabra Gordo de Ceará-Mirim, caboclo canavial, ao vivo, no ginásio da Escola Doméstica, rua em que nasci, cresci e mandaria ladrilhar se fosse minha. Em Natal.
Os masters de Rivelino, Edu, Marco Antônio, Cafuringa, Djalma Dias, a arte ensinada como programa educacional de futebol, Norte a Sul. No Castelão fantasma, eles sofreram aos pés de Hélcio Jacaré, ídolo do América e do Deus adotado potiguarano Alberi. Foi 2×0 injusto, domingo revivido em colagens de paciência.
Luciano do Valle, porta-voz do timaço brasileiro de 1982. A cabeçada de Oscar, defendida na linha do gol pelo italiano Zoff. O grito que a ele faltou. Explosão represada. Garganta representando milhões de esperanças perdidas.
Nem o pênalti perdido por Baggio em 1994 compensou.
Talvez os dribles encantados de Zico em 1986 no Arruda, um, dois, três cartas humanas de baralho caindo até o toque sensual na perfeição contra a Iugoslávia, resumam o que a minha geração repete, inconformada, no clichê inútil : “Não há palavras para descrever! “
Luciano do Valle viveu de sangue nas veias e morreu(19/04/14), de coração costurado em gomo e quatro linhas coronarianas. Nunca haverá palavras definitivas para ele. Nem para Marco Antônio. Ou Hélio Câmara. O Super.