SAUDADE SEM FIM
por Marco Antonio Rocha
Da varanda eu vejo o cantinho do quintal onde jogávamos bola. Era apenas um gol a gol, mas pra mim era meu Maracanã. E, ele, meu Acácio, meu Roberto Dinamite. Em uma contramão da vida, foi o filho que fez o amor pelo Vasco ficar mais forte no pai. O Chevette marrom ainda corta a Avenida Brasil com a bandeira para fora, ligando a Ilha a São Januário. É como se o barulho do tecido estivesse para sempre dentro de mim, como as vitórias e até o primeiro pênalti que Geovani perdeu na carreira, na Rua Bariri.
Ele sempre foi muito mais São Cristóvão, Olaria e Quinta da Boavista do que Leblon, Ipanema e Barra. Era na simplicidade que habitava. Na simplicidade do Fusca verde clarinho que dirigia para ganhar a vida como taxista, ainda na Guanabara – sim, a escolha do Yoda seguiu um rigoroso critério, o sentimental, ainda que eu tenha visto aquele carro apenas por fotos. Os caminhos o levaram para a simplicidade de um balcão de botequim, de onde tirou o sustento para formar dois filhos, mesmo que jamais (e talvez até por isso) tenha tido condições de estudar. Ali, na rotina do dia a dia, vendia fiado a quem precisava, na certeza de que jamais receberia.
A infância em Portugal dos anos 30 e 40 não foi fácil. A juventude na década de 60 parecia ainda pior: a Guerra pela Libertação de Angola havia explodido e portugueses eram enviados em massa à África. Ele fugiu para o Brasil, porque heróis são os que evitam a morte: “Ir para o país dos outros para matar? Eu não…”.
Voltou pouco tempo depois à terrinha, para aí sim ter sua maior conquista: o coração da mulher que o acompanharia para além do sempre. Juntos, transformaram-se quase em uma só pessoa. Para ser feliz, poucas coisas bastavam: a alegria dos seus, um copo de vinho e uma tigela de azeitona ou tremoços. Foi na simplicidade do seu quarto, ao lado da mulher que amou por mais de 56 anos, que morreu de surpresa nesta manhã.
É na simplicidade das pequenas lembranças que seguirá vivo, como os jogos de botão enquanto o rádio transmitia alguma partida; os passeios ao zoológico ou ao Museu Nacional; as manhãs no Tivoli; as idas a Portugal e São Lourenço; as sardinhas na brasa; os almoços cheios de abraços aos domingos; as visitas tortas, a distância no quintal, nesta pandemia; o vasinho de pimenta que ainda ontem separou para mim.
Como nos despedíamos a cada vitória do Vasco: saudações vascaínas!
Te amo, pai.
ICE PEDRO
por Zé Roberto Padilha
Para muitos atacantes, a grande área é um caldeirão de responsabilidades. Porque o gol é o grande momento do futebol, e o objetivo, a meta, estão bem próximos e há um natural nervosismo que muitas vezes atrapalha a conclusão.
Ice Pedro, entre poucos Romarios, é daqueles que entram na grande área como entram no freezer. Sua cabeça esfria ante as altas temperaturas dos últimos que saem a protege-la. Fora o goleiro que já vem no desespero.
Aí fica fácil, vai desviando dos que vem quente pensando que ele está fervendo e acaba entrando com bola e tudo.
E de cabeça fresca, torna simples uma equação diante dos que por lá encontram a soma dos quadrados da hipotenusa.
E eu, como torcedor tricolor, acho que nossos dirigentes estavam com a cabeça na gaveta de legumes para não perceber a ascensão desse menino rumo ao alto do congelador.
SÃO CRISTÓVÃO: O CAMPEÃO ESQUECIDO DE 1937
por André Luiz Pereira Nunes
Em 1937, a organização do Campeonato Carioca se encontrava dividida em duas ligas: a Federação Metropolitana de Desportos (FMD) e a dissidente Liga Carioca de Futebol (LCF). Devido a inúmeros e costumeiros desentendimentos entre os clubes, os torneios eram separados. Entretanto, enquanto ocorria o certame organizado pela FMD, os presidentes do America e do Vasco se reuniram por iniciativa própria para organizar a tão almejada unificação da disputa sob a égide de uma única entidade.
A campanha do São Cristóvão no campeonato da FMD foi realmente avassaladora. Os cadetes, em 7 jogos do primeiro turno, venceram todos, se consagrando campeões antecipados. Além do Vasco, enfrentaram Andaraí, Carioca, Madureira, Olaria, Bangu e Botafogo. Quando o campeonato foi interrompido e a extinção da federação confirmada, devido à reunificação das ligas, já não haveria como nenhum adversário ultrapassar o São Cristóvão na tabela, mesmo que fossem realizados os jogos restantes. Portanto, o não-reconhecimento do título de campeão carioca de 1937 por parte da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FFERJ) é uma das maiores injustiças do mundo do futebol que precisa ser urgentemente reparada. Surpreendentemente, o vice-campeão foi o Madureira, ficando o Vasco somente na terceira posição.
Com a dissolução abrupta da FMD, o certame acabaria suspenso antes do término do primeiro turno. Apesar disso, em 3 de setembro, o extinto Conselho Geral da FMD proclamou o clube cadete campeão. A FFERJ, por sua vez, lamentavelmente não reconhece ainda em caráter oficial essa conquista do São Cristóvão. Contudo, estranhamente, para fins estatísticos, as partidas realizadas foram computadas aos números do Campeonato Carioca, visto que os jogos não foram anulados, o que se trata de uma grande contradição. O clube de Figueira de Melo, atualmente sem o prestígio de outrora e licenciado da Série C, a quinta divisão do Campeonato Estadual, reivindica o justo reconhecimento pelo título estadual de 1937. Vale ressaltar que a Federação Paulista de Futebol, tida como bem mais profissional e melhor organizada, computa todos as conquistas, tanto de equipes ativas como extintas, abarcando os períodos que vão do amadorismo ao profissional.
No mesmo ano, enquanto ocorreria a reunificação a partir da recém-criada Liga de Futebol do Rio de Janeiro (LFRJ), Vasco da Gama e America realizaram o primeiro jogo sob a direção da nova entidade, apoiada pelo próprio São Cristóvão, o qual ficou conhecido como “Clássico da Paz” devido a ambos terem promovido a concórdia do futebol carioca. Os cadetes ficaram na quarta colocação, empatados com Botafogo e America. O Fluminense foi o campeão e, obviamente, obteve seu título reconhecido. Os cadetes, por seu turno, até fizeram boa campanha, mas não o suficiente para mais um troféu. Apesar de terem vencido alguns jogos com facilidade, empataram muitos cotejos, culminando na perda de pontos essenciais. Ainda assim, foram os únicos a baterem o Fluminense.
Para quem deseja se aprofundar no tema, é altamente recomendável a obtenção da obra do saudoso Raymundo Quadros, o qual coadjuvado por Auriel Martins, escreveu e publicou “O campeão esquecido”, pela Editora Hanói. Nesse livro, os renomados pesquisadores expõem os pormenores acerca de como esse título do São Cristóvão foi injustamente apagado da história.
Válter, Hernandez e Osvaldo; Picabea, Dodô e Afonsinho; Roberto, Villegas, Caxambú, Quintanilha e Carreiro. Com esse time, o São Cristóvão conquistou o legítimo título de campeão carioca de 1937, vencendo todas as suas partidas.
OS EMERGENTES DA BOLA
por Zé Roberto Padilha
Muito bacana ver que um clube de futebol da Classe C, que no Brasil é definida por aqueles que ganham entre 2 e 2,5 salários mínimos, de pouca torcida, estádio modesto, fora do Brasileirão, da Copa do Brasil e Libertadores resistir ao abandono da sua federação e se impor diante dos grandes.
É o exemplo de amor ao futebol que está nos dando a lusa carioca ao deixar Vasco e Botafogo fora das semifinais do estadual.
Fico a imaginar o dia a dia de jogadores e comissão técnica ao se deslocarem para a Ilha do Governador em linhas vermelhas e engarrafadas. Treinar em dois períodos para equilibrar a parte física sem um centro de treinamento, isto é, indo e voltando com a gasolina a R$ 6. E se superando nas divididas para não dar espaços a adversários mais talentosos.
Seu goleiro rodou o país, seu técnico é desconhecido e seu Romário é genérico.
Pouco importam os meios, agora aquele grupo que frequentava a Rodoviária Novo Rio desembarca no Aeroporto Internacional do Galeão rumo a merecida felicidade.
Porém, ao entrar no Maracanã do equilíbrio social, encontram um olhar desconfiado, de ceticismo e até de ironia, fora o pior de todos que é o preconceito dos comentaristas que nem lhe vêem ou comentam sua atuação.
Preferem apenas julgar o seu adversário, o Fluminense, se jogou bem ou mal, se Roger Machado merece continuar ou dar lugar a Renato Gaúcho.
A Portuguesa é um novo alento aos que ainda acreditam que podemos viver num lugar menos desigual. Mesmo que não seja no bolso dos seus jogadores, mas no equilíbrio de renda e oportunidades concedida para todos os cidadãos.
Estejam eles jogando ou torcendo, carteira assinada ou autônomos, recebendo auxílio emergencial ou pensão vitalícia, por todo um país que precisava receber, das suas origens e cores lusitanas, um exemplo Portuguesa.
Com certeza.
OS CALOUROS DA SELEÇÃO DE 1981
por Paulo-Roberto Andel
Há exatos 40 anos, completados em 03 de maio, terminava o Campeonato Brasileiro de 1981. Pela primeira vez na história, o Grêmio se sagraria campeão ao vencer o São Paulo dentro do Morumbi por 1 a 0, com um golaço de Baltazar.
No mesmo dia, pelo placar eletrônico do próprio Morumbi logo após a partida, Telê Santana anunciaria a convocação dos jogadores para a Seleção Brasileira que disputaria três amistosos importantes, contra selecionados de expressão: Inglaterra, França e Alemanha. Avesso à imprensa, no dia seguinte Telê daria uma entrevista coletiva sobre o elenco convocado.
Se olharmos a lista dos 18 convocados, chegamos à conclusão de que, salvo raríssimas exceções, o grupo só tinha jogadores de, no mínimo, alto nível.
As duas surpresas positivas da convocação eram o goleiro Paulo Sérgio, do Botafogo (ex-Americano e Fluminense) e o volante Vitor, do Flamengo. Ambos teriam sua primeira chance com a famosa camisa amarelinha. Paulo Sérgio vinha de uma grande campanha com o Botafogo, parada nas semifinais do Brasileirão contra o São Paulo numa partida muito tumultuada. E Vítor tinha ficado nas quartas de final contra o próprio Botafogo de Paulo Sérgio, num 3 a 1 histórico pelo golaço de Mendonça driblando Júnior.
Outra curiosidade: embora fosse um jogadoraço, Vitor era reserva de Andrade no Flamengo, um fato inusitado – mas não inédito em se tratando de Seleção. Na Copa de 1954, Castilho foi para a Copa do Mundo como goleiro titular do Brasil e seu reserva era Veludo, também seu banco no Fluminense.
Aquela semana de 40 anos atrás seria promissora para o Grêmio: o time gaúcho iniciava uma sequência de triunfos que o levaria ao vice-campeonato brasileiro em 1982, ao título da Copa Libertadores de 1983 e ao Mundial de Clubes no mesmo ano. Uma época de glórias para o clube.
Já a Seleção Brasileira faria uma campanha maravilhosa na excursão europeia, vencendo Inglaterra, França e Alemanha em seus domínios, também credenciando-se à conquista da Copa do Mundo da Espanha em 1982. Mas o time dos sonhos acabaria nocauteado no Sarriá, muita coisa mudaria no esporte bretão e o Brasil ainda iria esperar 12 anos para o sonhado grito do tetra.
Paulo Sérgio e Vítor, os calouros da Seleção, brilhariam intensamente no futebol carioca pela década de 1980.