MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA DO REPÓRTER DE TIMES DE MENOR INVESTIMENTO
por André Luiz Pereira Nunes
– Primeira informação importante. A sua presença no estádio é totalmente dispensável. Você não é médico, delegado, ambulância, policial, árbitro ou jogador.
– Sendo dispensável a sua presença, não se importe se for destratado por torcedor, delegado, torcedor ou qualquer outro. São situação corriqueiras. Saber resolvê-las com diplomacia é a solução.
– Nunca se esqueça de que a sua matéria é mais importante do que você mesmo. Se alguém anunciar uma novidade, sem lembrar que foi você mesmo que a escreveu, não se importe.
– Nas coberturas de futebol ninguém lhe oferecerá nada. Nem um copo d’água, quanto mais lanche ou bolinho da vovó. Lembre-se de que você é dispensável. Quitutes são para convidados de honra. Você, definitivamente, não está nessa categoria. Esqueceu-se de que você é dispensável?
– Se você estiver com fome, beba bastante água. Água você pode conseguir nos bancos de reserva. É muito mais importante você se manter hidratado do que alimentado. Nosso corpo pode aguentar até 2 semanas sem comer, mas sem beber aguenta muito pouco. Vem logo uma insolação. Além do mais, beber água engana a fome durante algum tempo.
– Se algum dirigente disser que você é o melhor repórter que existe, finja que acredita.
– Não acredite que a sua matéria, que você pensa que vai bombar, irá bombar… Nada! As pessoas lerão e, 5 minutos depois, já estarão pensando nos seus próprios problemas.
– Se algum dirigente disser que um dia lhe chamará para trabalhar finja que acredita.
– Não reclame de fazer esse tipo de cobertura. Ninguém mandou ou pediu que você o fizesse. Foi ao jogo porque quis. Melhor ver um futebolzinho do que assistir ao Domingão do Faustão ou Caldeirão do Huck.
– Não crie expectativa de futuro em relação ao trabalho. É o mesmo que se cobrar. O futuro não deverá ser muito diferente do presente, diria um analista realista, se pudesse.
– Se receber um tapinha nas costas, fique feliz. Já é alguma coisa. É um tipo de reconhecimento.
– Se um presidente de um time horroroso disser que o time dele é o melhor, finja que acredita. Todo pai diz que seu filho joga bem. É outra mentirinha que você ouvirá muito e deverá fingir que acredita.
– Não aceite JAMAIS que algum treinador lhe proponha indicá-lo para determinado clube em troca de ajuda futura. Se o cara fizer merda, lembre-se: a culpa será sua. Se ele se sair bem, ninguém lembrará de você. O mesmo vale para jogador. Não indique nem ajude ninguém. Repórter não é empresário.
– Lembre-se de que você, como figura totalmente dispensável, pode ser tanto ovacionado como maltratado. Saber lidar com esses extremos é fundamental para continuar nas coberturas.
– Se algum dirigente se queixar de que você não escreve contra a Federação, ria!!! Nunca aceite sugestões de matéria desse tipo. Você se queima e ele fica bem na fita.
– Aprecie o lúdico. As partidas podem não ser muito boas, mas a distração vale a pena. Há fatos, lugares e pessoas engraçadas.
– Nunca peça camisa para dirigente. Compre! Não deva favor a ninguém. Não se queime por causa de um pedaço de pano. Se fizer muita questão, tente comprá-la junto ao fornecedor que sai bem mais barato do que em loja.
– Não discuta com a autoridade. Negocie. Seja educado. Brigar para quê? Você é o extremo mais fraco da escala. Quem se lembra do repórter a não ser ele mesmo?
– Não fale mal das outras pessoas. Deixe que falem. Ouça muito e fale pouco.
– Não tenha opiniões formadas sobre nada. No futebol as coisas mudam muito rapidamente. É um verdadeiro tabuleiro de xadrez.
– Não se preocupe em dar o furo. O furo procura o melhor repórter assim como a bola procura o craque.
– Seja cordial com os colegas, mesmo os concorrentes. Educação não significa passividade. Cumprimentar não custa nada.
CARIOCÃO?
por Paulo Roberto Melo
Li hoje no jornal, em uma matéria sobre o Campeonato Estadual do Rio de Janeiro de 2021, que a Federação de Futebol do Rio, estava satisfeita com a realização da competição. Confesso que não entendi e não entendo o motivo da satisfação. Nem mesmo o fato do futebol, em tempos de pandemia, ser encarado como uma válvula de escape serve de explicação. Afinal, o campeonato foi pouco televisionado e assim, não teve o alcance necessário para tal.
Cresci, escutando meu pai, um português da Ilha dos Açores e apaixonado pelo Vasco, contar a façanha do Super-supercampeonato carioca de 1958, conquistado pelo clube da Colina. Depois de dois triangulares, envolvendo o próprio Vasco, o Flamengo e o Botafogo, o título veio de forma heroica para São Januário. Como nasci em 1966, minha noção de futebol só aconteceu aos 10 anos, quando comecei a ser levado ao Maracanã e minhas lembranças começaram.
Lembro-me da Máquina Tricolor e seus craques: Rivelino, Paulo César, Félix, Edinho, Gil. Um time tão bom, que foi bicampeão carioca em 75 e 76. No ano seguinte, 1977, Roberto Dinamite converteu a última cobrança de pênalti e deu o título ao Vasco, cuja escalação está na memória de todo vascaíno: Mazaropi, Orlando, Abel, Geraldo e Marco Antônio. Zé Mário, Zanata e Dirceu. Wilsinho, Roberto e Ramon. Não me esqueço da cabeçada magistral do Rondinelli, em 1978, aos 44 minutos do segundo tempo, dando o título daquele ano ao Flamengo. Junto a esse título vieram mais dois, em um mesmo ano, 1979, dando ao clube da Gávea seu terceiro tricampeonato.
As lembranças da década de 80 povoam a minha mente. Em 1981, o Flamengo, campeão da Libertadores e Mundial, contou com um reforço para ser campeão carioca: além de Zico, Andrade, Adílio e Júnior, um ladrilheiro foi colocado em campo para esfriar um aguerrido Vasco, que insistia em ser mais eficiente do que um certo Liverpool. Mas em 1982, com um gol olímpico ou de cabeça, o campeão foi o Vasco. “Laranjeiras, satisfeita sorriu”, quando viu seu tricolor ser tricampeão em 83, 84 e 85, com uma geração que aliava técnica, marcação e um craque paraguaio, chamado Romerito.
O ano de 1986 ficou marcado como o primeiro em que Romário, com 20 anos, foi artilheiro do Campeonato do Rio, embora o campeão tivesse sido o Flamengo. O Baixinho seria artilheiro da competição, outras seis vezes. Lembro-me da corrida desabalada do Tita, com a camisa do Vasco na cabeça, depois de estufar as redes do Flamengo, dando o título de 87 ao cruzmaltino. Inesquecível, foi o que protagonizou o jogador Cocada, na decisão de 1988, entre Vasco e Flamengo. Ele entrou aos 41 minutos do segundo tempo, fez o gol do bicampeonato do Vasco e foi expulso aos 45, depois de jogar sua camisa no banco rubro-negro. E todos se lembram de ver uma estrela solitária brilhar em 1989, quando o técnico Valdir Espinosa conduziu o Botafogo a um título, depois de 21 anos.
A década de 90 começa com o Maracanã caindo, literalmente, aos pedaços. Na final do Brasileirão de 92, ganho pelo Flamengo, parte do alambrado das arquibancadas caiu, matando três pessoas e determinando o fechamento do estádio por sete meses. Assim, o Campeonato Carioca daquele ano, teve seus jogos mais importantes disputados em São Januário. Esse campeonato, ganho pelo Vasco, é marcado por ser o primeiro título de um endiabrado Edmundo e o último do eterno Roberto Dinamite. Nos dois próximos anos, 93 e 94, só a torcida do Vasco comemorou, cantando no reformado Maracanã: “tri, tri, o Vasco é tri!” Memorável foi o ano de 95! Capitaneado por Romário e com um timecheio de craques, em busca de um título no ano do seu centenário, o Flamengo viu a taça ir para as Laranjeiras, graças à barriga de um certo Renato, o mais carioca dos gaúchos. Vibrei em 1998, com o Vasco sendo campeão carioca no ano do seu centenário.
Os anos 2000 são de flashs para mim. O chocolate que o Vasco deu no Flamengo, na decisão da Taça Guanabara, ganhando de 5×1, em pleno domingo de Páscoa, apesar do campeão carioca daquele ano ter sido o Flamengo. A sensacional e (in)defensável cobrança de falta de Petkovic, aos 43 minutos do segundo tempo, sacramentando o quarto tricampeonato do Flamengo em 2001. O passe de letra de Léo Lima, no gol que deu o campeonato de 2003 ao Vasco. O quinto tri do Flamengo, em 2007, 2008 e 2009. Um bicampeonato do Vasco em 2015 e 2016.
Enfim, o que se lembrar do “Cariocão” de 2021? A estranha fórmula, em que o campeão da Taça Rio é o quinto colocado? Uma final de campeonato em uma noite de sábado? Um artilheiro da competição com apenas nove gols marcados? Com certeza, o sexto tricampeonato do Flamengo é a única coisa que ficará para a história e mesmo assim, por apenas uma parte do Rio de Janeiro.
Sabe, não sou e não gosto de ser chamado de saudosista. Mas aqui entre nós, tem sido difícil não ser.
FUTEBOL É ESPETÁCULO
:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::
Não é segredo para ninguém que tenho minhas convicções e por isso fiquei muito feliz quando vi o lateral Daniel Alves, durante uma transmissão ao vivo, dedicar o título paulista a Fernando Diniz. A verdade é que a escolha do técnico argentino Hernán Crespo foi acertadíssima porque ele é adepto da escola de Marcelo Gallardo, que, assim como Diniz, investe em times vistosos, ousados e com bom toque de bola. Ou seja, Crespo pegou um grupo pronto, disposto a vencer e teve o trabalho facilitado. Torço muito por ele, assim como continuo torcendo para que Diniz siga montando times agradáveis de se ver. Os títulos serão consequência.
Quando critiquei as atuações do Palmeiras mesmo após a conquista da Libertadores é porque vencer sem convencer não me agrada. Ou será que os vascaínos comemoraram a vitória sobre o Botafogo? Nem Rogério Ceni está em condições de comemorar porque o rubro-negro não tem sido convincente como na época de Jorge Jesus. Totalmente o oposto de Guardiola que vem mantendo uma maravilhosa performance há anos, sempre apostando na filosofia de jogo, que também é a minha, a de que é possível conciliar força física, alta produtividade com arte e suingue. Futebol é um espetáculo, como uma orquestra, um balé, um desfile carnavalesco.
Mas outro dia vi um tetracampeão do mundo, que hoje é comentarista, afirmar que o importante é vencer mesmo jogando feio. Discordo com todas as minhas forças e justamente por conta desse pensamento pequeno é que nosso futebol perdeu a essência, sua forma de jogar, e está entupido de retranqueiros. Daniel Alves, ao vivo, disse que Fernando Diniz “é foda”. E é mesmo! É um incompreendido, mas deixa sua marca por onde passa. Por isso, o torcedor deve reconhecer isso.
Na Copa de 70, João Saldanha deveria ter sido reconhecido com mais veemência por sua participação naquele título. Reconhecer é um ato de nobreza. Daniel Alves atuou por vários anos na Europa, ganhou uma série de títulos e sua opinião tem peso. Mas assim como o tetra-comentarista, que diz que para vencer vale praticar um futebol covarde, muitos não reconhecem o valor da seleção e ouro, de 82, desdenham de quem nunca venceu uma Copa do Mundo e vão espinafrar Guardiola caso não vença a Liga.
Listo uma serie de pernas de pau que não mereciam ter uma Copa e dou mil vivas a Zico e os comandados de Telê Santana! Salve, Falcão! Salve, Leandro! Salve, Leandro! Salve, Oscar! Salve, Sócrates! Salve, Júnior! Salve, Éder! Salve, Cerezo! Salve, Luizinho! Salve, Paulo Isidoro! Salvem o nosso verdadeiro futebol!
Para contrariar os comentaristas atuais, trago uma tradução simples dos termos utilizados: primeira linha é, na verdade, a defesa, composta pelos laterais, beque central e quarto zagueiro; a segunda linha é o famoso meio-campo, formado pelo centro-média, meia-direita e meia-esquerda; por fim, o ataque virou a terceira linha, que reúne os pontas e o centroavante! Precisa complicar tanto?
O INCOMPRÁVEL
por Zé Roberto Padilha
Além da qualidade técnica que pesa muito em qualquer decisão, tem algo tão importante no futebol, que, infelizmente para nós, tricolores, não estava à venda para equilibrar a disputa..
O entrosamento. Nem Xerém tem um pra vender.
Com exceção do goleiro, de um ala, o Flamengo levou a campo a mesma espinha dorsal que o levou a levantar a Taça Libertadores da América e a ser o vice campeão mundial de clubes.
Jogando juntos já tanto tempo, Éverton Ribeiro troca de funções com o Gerson naturalmente. Sem qualquer ordem do banco. Se para eles é normal, e o fazem com extrema aplicação tática, para quem os marca, e mal jogaram um estadual juntos, é o próprio inferno.
Bruno Henrique e Gabigol, indicados por Abel Braga e treinados por Jorge Jesus, estão tão entrosados que podem retirar de cena quantos Rogérios estiverem à beira que basta um piscar de olhos para saber onde seu companheiro estará colocado.
E tem o Arrascaeta…
Agora, nos resta seguir o exemplo. Tentar fazer no Campeonato Brasileiro que nossa espinha dorsal se equilibre, se solidifique, se conheça. Mas para isso é preciso afastar de vez o maior inimigo do entrosamento: o time misto. Aquele que poupa desentrosando.
E quando a bola for alçada para a grande área da linha de fundo, o Fred terá a certeza qur ela chegará na altura e na velocidade que gostaria.
Mas para isso não tem que deixar o campo tão cedo. Outra vez derrotados, nem precisava subir a placa mostrando quem seriam os Bobadillas dessa história.
POLÍTICA DE PATROCÍNIO
por Idel Halfen
Uma das poucas certezas que o marketing nos brinda é a de que as marcas não devem ter um rosto, principalmente se for o de um ser humano, naturalmente suscetível a falhas, o que pode de alguma forma contaminar a marca. Daí a recomendação para que as empresas não restrinjam apenas a uma única pessoa a posição de “embaixador” ou de “endossador”.
Tal afirmação não significa que marcas e empresas não devam ter identidade, o que é completamente diferente, pois esta está relacionada ao posicionamento e à proposta de valor, variáveis imprescindíveis em qualquer mercado.
Esclarecimentos feitos, passemos para o tema que suscitou interessantes debates na última semana: o patrocínio da Havan ao rubro-negro carioca.
Enquanto alguns criticaram a iniciativa pelo fato de o dono da empresa ser um apoiador ferrenho do presidente da república e de suas falas, outros a defendiam sob o argumento de que o que importa é o valor que o clube receberá, algo mais ou menos na linha de que os fins justificam os meios.
Pois bem, inicialmente deve ser registrado que é inconcebível que as pessoas sejam julgadas por possuírem algum posicionamento político – seja de esquerda ou de direita -, aliás, qualquer tipo de generalização a respeito de preferências estritamente ideológicas denota o quão imbecil é o sujeito que a faz.
Contudo, não é salutar que marcas/empresas tenham posicionamento político, cabendo a elas no que tange ao relacionamento com a sociedade focar suas ações nas causas sociais, o que, inclusive, contribui para fortalecer a imagem de uma empresa preocupada com a humanidade.
Embasa tal afirmação o fato de que o patrocínio deve buscar, além da exposição e ativação da marca, a associação dos valores do patrocinado com o do patrocinador, para assim criar uma espécie de simbiose. Neste contexto, o clube passa a usufruir dos atributos do patrocinador, sendo a recíproca verdadeira.
Por isso é tão importante o trabalho de análise das possíveis parcerias sob o prisma do branding, mesmo porque, uma eventual contaminação pode implicar na fuga de outros patrocinadores (efeito co-branding) no caso do clube, ou de clientes no caso da empresa.
Voltando ao caso específico, a Havan pode vir a se tornar um problema para o clube em função do que foi citado no início do nosso artigo: a empresa tem a cara do dono, o qual, pouco se importa em se posicionar politicamente. Aliás, a pouca preocupação com a imagem da empresa já levou seu dono a se manifestar publicamente contra medidas voltadas à inclusão de deficientes em suas lojas.
Por mais que tais atitudes possam ser minimizadas com argumentos de que elas agradam e atraem clientes que comungam das mesmas convicções, não se pode esquecer que a concorrência, ao não tomar partido, agrada e atrai a todos, isto é, não tem rejeição.
Vale ainda relatar que esse problema, embora pareça inédito já ocorreu outras vezes, vide, por exemplo, o caso do Werder Bremen da Alemanha que foi alvo de protestos quando anunciou que a Wiesenhof – empresa de alimentos acusada de maus tratos a animais – seria sua patrocinadora.
Tais situações provavelmente estarão cada vez mais presentes no cotidiano dos clubes, o que faz com que fique evidente a necessidade de modernização do estatuto com cláusulas de compliance que estabeleçam restrições a empresas que possuam envolvimento político e que adotem práticas não-sustentáveis.