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BOM DE BOLA E TELA

entrevista e texto: Paulo Oliveira | edição de vídeo: Daniel Planel

Viladônega de Souza Rodrigues jogava pelada debaixo de uma ponte no bairro de Jequiezinho, em Jequié, cidade do sudoeste baiano a 365 quilômetros de Salvador, quando foi descoberto pelo médico e diretor de hospital Sebastião Azevedo. Sócio benemérito do Vasco, Azevedo moveu céu e terra para levar o menino de 12 anos para fazer um teste no infanto-juvenil do clube pelo qual torcia.

Primeiro, o médico procurou os pais do garoto, Adélia e Expedito Rodriguez, que só concordaram em deixar o pequeno craque ir para o Rio de Janeiro, depois que Azevedo prometeu que ele não deixaria de estudar. Pesou também o prestígio que o doutor tinha na cidade. Sendo assim, Viladônega botou a pouca roupa que tinha em uma mala de papelão e pegou um avião.

– Foi a aeromoça que me levou à casa da família de Sebastião Azevedo, que morava na Praia de Botafogo. Quando cheguei lá, cabreiro, ligaram a televisão para eu assistir. No interior da Bahia não tinha tevê naquela época. Quando ouvi a Ângela Maria falar em um programa “vou acender o cigarro”, fiquei doidinho procurando a caixa de fósforo. Três dias depois fui levado para São Januário! – conta o meio-campista, que pisou pela primeira vez no estádio em 1954.

ENCONTRO COM BELLINI

Ainda é bem nítida a cena de sua chegada no clube carioca. Os aspirantes treinavam e os jogadores do time principal assistiam na arquibancada. Foi aí que o menino de nome incomum foi apresentado ao zagueiro Bellini, esboçando timidamente um “Como vai, senhor Bellini?”. Tempos depois quando fez uma brincadeira com o defensor, o bicampeão mundial de futebol retrucou:

– Quando chegou aqui me chamava de senhor, agora está me gozando! – revela o ex-atacante.

Na peneira para o time infanto-juvenil havia 18 times, 198 jogadores. Apenas três foram aprovados: o volante Maranhão, o lateral esquerdo Edílson e Viladônega.

Nascido em 1942, em Euclides da Cunha (BA), o meio-campista passou pelas categorias juvenil, aspirante e profissional do Vasco. Ainda era adolescente quando estreou no time principal em um jogo contra o Peñarol, no Uruguai, no qual a equipe cruzmaltina venceu por 2 a 1. Na época, os técnicos, segundo Viladônega, evitavam estreias de jogadores da base no Maracanã para não queimar os guris.

Foi no juvenil, aos 16 anos, que Vila, como também era conhecido, conquistou o único título pelo Vasco. A decisão contra o Flamengo, na Gávea, nunca foi esquecida:

– Cruzaram a bola e sem querer ela bateu na minha cabeça e entrou. Um a zero contra o Flamengo de Gérson! – celebra.

Villadônega participava de excursões internacionais, jogando entre os titulares. Participou de um torneio no México, onde ressalta a atuação do goleiro Ita. Na volta, foi convocado para a seleção brasileira amadora que disputaria o Pan-Americano de 1959, em Chicago, nos Estados Unidos. Estavam entre os convocados Gérson, Beirute, Germano e Maranhão.

Os brasileiros venceram quatro das seis partidas, incluindo a goleada de 9 a 1 sobre o Haiti. Perderam para os Estados Unidos (5 a 3) e empataram com a campeã Argentina (1 a 1). Foram vice-campeões. A medalha de prata, perdeu. Restou uma medalha de bronze entregue na cerimônia de encerramento da competição, uma das duas que o craque guarda consigo. A outra é do primeiro campeonato brasileiro de futebol amador (1961) que, de acordo com Villa, foi disputado por seleções estaduais.

BRIGAS ENTRE RIVAIS

O baiano foi efetivado como titular pouco antes de vencer a idade de aspirante. Ele dividiu o campo com Lorico, Da Silva e Pinga, no qual se espelhava. De seu ídolo ouviu o conselho para nunca dar pancada, pois quem jogava no ataque não precisava bater em ninguém.

Nos anos 50 pouca gente seguia a recomendação daquele que viria a ser o quarto maior artilheiro da história do Vasco. Muitas vezes, a rivalidade terminava em pancadaria. A briga entre jogadores como a que houve entre o Almir (Vasco) e Pavão (Flamengo) ficou famosa. E foi após pancadaria generalizada, no ano da inauguração do Mineirão, que a carreira de Viladônega entrou em declínio.

A transferência para o Atlético (MG), que lutava para ser bicampeão, aconteceu em 1963. A princípio por empréstimo, mas efetivada após ele marcar um golaço contra o Cruzeiro.

“Tive a sorte de fazer um gol do meio da rua, no campo do Cruzeiro. O goleiro adversário chutou, a bola bateu no chão, subiu, eu peguei de primeira, do meio de campo. A redonda viajou, viajou, viajou, rodou, pegou carona no vento e foi lá dentro. Ganhamos de 1 a 0.” – narra.

Além do bicampeonato, Villadônega foi o artilheiro do campeonato mineiro com 12 gols em 22 jogos. De seus companheiros de time, o meio-campista lembra de Bueno (cabeça de área), Peres, Marcelino (lateral), Nilson (centroavante) e Bougleaux (autor do primeiro gol da história do Mineirão). Dentre os adversários, sobram elogios para Tostão e Dirceu Lopes. Eles valorizam a conquista do título.

SUSPENSÃO DE UM ANO

No dia 24 de outubro de 1965, aconteceu o primeiro superclássico no Mineirão, que havia sido inaugurado há pouco mais de um mês. Na versão do atleticano “o juiz roubou” e provocou um tumulto generalizado em campo:

– O Atlético não podia perder. O ponta direita recebeu um lançamento e ajeitou a bola com a mão. Ele cruzou para dentro da área e o juiz marcou pênalti. Foi uma correria. Todo mundo queria pegar o juiz achando que ele roubou. Perdemos de um a zero. Eu não bati em ninguém, mas toquei no capacete de um guarda, ele caiu e o soldado não pode ficar sem capacete. O chefe do policiamento era da diretoria do Cruzeiro e fez carga contra mim. Aí eu fui suspenso um ano: eu, Nílson e uma porrada de gente! – conta

No site cruzeiropedia.org a história é diferente. Ele conta que a superioridade do adversário deixou o Galo tonto e os jogadores alvinegros irritados. Aos 35 minutos do primeiro tempo, Tostão abriu o placar após receber passe de Marco Antônio.

Na segunda etapa, Wilson Almeida invadiu a área e foi derrubado por um carrinho do lateral Décio Teixeira. O juiz Juan De La Pasión Artés. O autor do texto prossegue:

“Vander agrediu o juiz, que pediu proteção à Polícia Militar. Como ela não atendeu prontamente, outros termocéfalos (cabeças quentes) se animaram. Virou linchamento. O treinador Marão invadiu o gramado e também bateu no árbitro. Só aí os soldados saíram de sua letargia para proteger a vítima. Seguiu-se uma batalha campal entre jogadores emplumados, inclusive reservas, e policiais. Artés expulsou o time inteiro do Atlético e pôs fim à partida.”

Parte do período da suspensão, Viladônega continuou a receber o salário, mas depois, conta, pediu rescisão por não estar sendo útil ao time. Enquanto estava no Atlético, o jogador fez um curso de aprimoramento na Escola Politécnica, sem saber que isto seria de grande valência no futuro.

ACIDENTE NA ESTRADA

O último clube de Villa foi o URT (União Recreativa dos Trabalhadores), de Patos de Minas. Após uma partida contra o Tupi, o ônibus que transportava os jogadores virou na estrada.

– No meio do caminho, um animal atravessou na pista. O motorista desviou bruscamente e o veículo capotou três vezes. Os vidros caíam em cima da gente, eu imaginava todo mundo ensanguentado. Alguns se feriram, mas nenhum de forma grave. Eu só tive escoriações, graças a Deus! O motorista passou dois dias desacordado! – relata.

No final da temporada, o URT dispensou todo mundo e não pagou a ninguém. Vila, que estava há 11 anos sem visitar a família na Bahia, escreveu pedindo dinheiro para retornar. Ainda passou por Pontalina (GO) para ver um amigo que levara para fazer um teste no Vasco. Tinha esperança de encontrar um time em Goiás, mas ela acabou quando soube que o parceiro desistira do futebol e estava trabalhando de motorista.

No final dos anos 60, o reencontro com a família se deu em Itapetinga, cidade para a qual o pai tinha se mudado. Ainda tentou continuar jogando no Bangu local, mas a liga municipal não permitia jogadores profissionais entre amadores. Largou de vez o futebol, recusando convites para ser treinador da seleção municipal e de clubes locais.

– Nunca quis ser técnico. O cara que paga entrada para ir ao estádio, principalmente no interior, acha que tem o direito de xingar todo mundo e eu nunca gostei disso! – justifica.

ARTISTA PLÁSTICO

O curso de aprimoramento na Escola Politécnica não chegou a ser concluído, mas permitiu que Viladônega, que desenhava desde criança, aprendesse novas técnicas. Longe da bola, passou a fazer a decoração da cidade para festas como o São João e a extinta micareta, além de serviços particulares.

A arte aproximou Vila do pedreiro e escultor autodidata Júlio de Souza Barbosa, o São Félix, cujas obras estão espalhadas por praças da cidade e pela Matinha, área verde onde fica o zoológico de Itapetinga.

São Félix foi assassinado a facadas e pedradas em 2010, aos 83 anos, por um casal de adolescentes que acreditaram no boato espalhado por um radialista de que ele guardava grande quantia em dinheiro em casa. O escultor pedia ajuda ao ex-jogador para acertar a proporção de suas obras.

Aproveitando convite do filho de São Félix, Cabo Barbosa, e a presença do repórter do Museu da Pelada/Meus Sertões, Vila voltou à Matinha, hoje fechada ao público para se adequar à legislação ambiental. Foram oito anos longe das obras que ajudou a criar.

– São Félix era gozador, engraçado e gostava de piadas. Enquanto enchia a massa, eu ia cortando, modelando. Ele não estudou arte. Tinha um talento natural. – conta.

Viladônega também é o autor de um painel no muro do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), na rua Macarani. Feito com tinta óleo, o quadro retrata uma paisagem imaginada pelo artista para a cidade, cuja economia está fincada na criação de gado leiteiro e de corte. A concessionário prometeu pagar R$ 1.000 pelo mural, mas cinco meses depois da conclusão não tinha feito a quitação.

Além do que recebe pelas decorações que faz, o ex-jogador recebe aposentadoria de um salário mínimo mensal.

RESENHA

Ao falar em valores, o assunto volta a ser futebol. No tempo em que Viladônega se destacava nos gramados, o salário de atleta era baixo. De tudo o que ganhou na carreira, ele comprou uma casa simples para o pai, que casou quatro vezes, e um aparelho de medição para o velho Expedito continuar trabalhando como arquiteto.

Para ele mesmo, não comprou nada:

– Fiz o barraco onde moro há 15 anos com o dinheiro que ganhei como artista plástico! – revela

Se não fez fortuna, o meio-campista guardou histórias, que conta com prazer. Lembra de um Vasco x Santos, no qual Pelé virou o jogo no último minuto. Cita o nome dos companheiros – Orlando, Coronel, Sabará, Almir, Vavá, Pinga e Barbosinha – com o mesmo prazer que fala dos adversários, como Babá, do Flamengo.

Conta casos divertidíssimos sobre o goleiro Barbosa (veja o vídeo), que era chamado de Tio pelos jogadores mais novos e era viciado em “Biotônico Fontoura”.

Outro que faz parte de seus “causos” é Laerte, amigo inseparável de Sabará. Os dois moravam na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro.

– Uma passagem que morro de rir até hoje é do meio de campo Laerte. Nas excursões do Vasco para o exterior, todo mundo comprava presentes para a família e mostrava de noite para os companheiros no hotel. A sensação da época era o rádio de pilha. Aí o Laerte apareceu com um arco e flecha imenso, dizendo que tinha comprado para o Veinho, como ele chamava o filho. “Mas Laerte, você não está vendo que isso não vai caber na mala”, disse um jogador. Ele falou assim: “Vocês são burros”. Foi lá e quebrou o arco. Depois disse: “Chegando no Brasil, boto esparadrapo. Quando o Veinho for brincar, pow, quebra. Aí eu falo: Tá vendo, eu não compro mais nada para você” (risos).

O volante Laerte, segundo Viladônega, gostava muito de faroeste. Um dia convidou Sabará para ir ao cinema. Quando o filme estava no meio, chamou o amigo para ir embora. O ponta-direita tentou fazer ele mudar de ideia, mas o amigo disse haver esquecido que tinha visto o filme há muito tempo. Sabará ficou retado.

O craque do passado lembra com saudades do tempo que morou em São Januário, no alojamento debaixo da arquibancada. Seu jogo inesquecível, no entanto, foi Atlético x Cruzeiro, no dia 15 de setembro de 1963.  Era o 11º jogo do campeonato e o último do primeiro turno, no Estádio Independência, e ele fez o gol da vitória.

– O Atlético venceu por 1 a 0 e arrancou para o bi! – enfatiza

A DESPEDIDA

Em data que não soube precisar, Viladônega Rodriguez conta que o Vasco foi fazer um amistoso em Itapetinga e enviou para ele uma camisa oficial e o convite para dar o pontapé inicial da partida. Em agradecimento pela camisa, o Vila deu ao emissário dois cágados que tinha no quintal. Falou também que o convite estava aceito.

No sábado seguinte, pouco antes do jogo começar, foram buscá-lo em casa, mas ele não estava:

– É que eu tinha uma pescaria marcada e não podia faltar! – justifica.