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“UMA COISA JOGADA COM MÚSICA” – CAPÍTULO 55

por Eduardo Lamas Neiva

Após a apresentação de Teixeirinha e Mary Terezinha, a semifinal da Copa de 62, entre Brasil e Chile, voltou à mesa de debates.

Ceguinho Torcedor: – Garrincha foi mais uma vez a figura do jogo, a maior figura da Copa do Mundo, e naquele momento a maior figura do futebol brasileiro desde Pedro Álvares Cabral. Quando eu dizia que Garrincha era varado de luz como um santo de vitral, os idiotas da objetividade torciam o nariz.

Idiota da Objetividade: – Eu não, eu não. Só me atenho aos fatos.

Ceguinho Torcedor: – Se desminto os fatos, pior pros fatos. Mas faltava a Garrincha um toque de martírio. O lívido, o gelado árbitro o expulsou com a hedionda conivência do bandeirinha uruguaio Esteban Marino. Amigos, como é linda a vitória roubada.

Garçom: – Há quem ache que é melhor ganhar roubado.

O povo do bar iniciou um burburinho, por causa da afirmação de Zé Ary, logo cortado pelo Ceguinho Torcedor, que não deixou a bola sair de seu domínio.

Ceguinho Torcedor: – O juiz gatuno deu ao nosso feito uma dimensão mais comovida e mais deslumbrante. Com essa vitória do homem genial do Brasil fomos à final. E com Garrincha.

Garçom: – Seu Ceguinho e amigos, nosso grande Mané Garrincha, que ali se encontra pra nossa honra, foi homenageado musicalmente das mais diversas formas, como já demonstramos aqui neste palco.

João Sem Medo: – Merecidamente!

Garçom: – Sem dúvida alguma, seu João. Mas, além da música, também no cinema. Teve o documentário “Garrincha, alegria do povo”, do diretor Joaquim Pedro de Andrade, nos anos 60, e “Garrincha, Estrela Solitária”, de 2005, dirigido por Milton Alencar e baseado no livro “Estrela Solitária – um brasileiro chamado Garrincha”, de Ruy Castro. A trilha sonora deste filme foi composta e executada pelo saxofonista Leo Gandelman.

Ceguinho Torcedor: – Zé Ary, você incorporou o Idiota da Objetividade?

Todos riem.

Garçom: – É, seu Ceguinho, acho que sim, com todo respeito ao seu Idiota. Mas as informações são importantes.

Ceguinho ri, mas concorda com o garçom.

Idiota da Objetividade: – Você foi muito bem, Zé Ary. A informação é fundamental!

Garçom: – Sem dúvida! Mas vamos ouvir aqui no nosso som a música de abertura do filme “Garrincha, Estrela Solitária”, de e com Leo Gandelman.

Todos curtem muito a música, com alguns se lembrando do filme estrelado pelo ator André Gonçalves, que fez o papel de Garrincha, e comentando cenas que se lembravam. Quando houve uma breve pausa nas conversas paralelas, Idiota foi objetivo e recomeçou o papo da mesa.

Idiota da Objetividade: – Na final, disputada no dia 17 de junho de 1962, no Estádio Nacional de Santiago, o Brasil derrotou por 3 a 1 a Tchecoslováquia, a quem já havia enfrentado na primeira fase e empatado sem gols. Masopust abriu o marcador para os tchecos, aos 14 minutos de partida, mas Amarildo empatou dois minutos depois. No segundo tempo, Zito marcou de cabeça, aos 23, e Vavá fechou o placar, após falha do goleiro Schrojf, aos 32. O Brasil jogou a final com Gilmar, Djalma Santos, Mauro Ramos (o capitão), Zózimo e Nilton Santos; Zito e Didi; Garrincha, Amarildo, Vavá e Zagallo.

João Sem Medo: – E como não poderia deixar de ser, Garrincha foi eleito o melhor jogador daquela Copa.

Garçom: – Garrincha merecia ainda mais homenagens!

Garrincha (de sua mesa): – Muito obrigado, meu amigo Zé Ary.

Zé Ary acena sorridente pro Mané, que retribui o carinho.

João Sem Medo: – Você tem razão, Zé Ary. O que fizeram com o Garrincha foi o mesmo crime que cometeram contra Pelé. Mané chegou a levar seis infiltrações no joelho pra fazer seis jogos pelo Botafogo na Itália, em 65.

Garrincha olha pra Pelé, que só faz um gesto de concordância com a cabeça.

Idiota da Objetividade: – Depois do Botafogo, Garrincha jogou no Corinthians; na Portuguesa Santista; no Junior de Barranquilla, da Colômbia; no Flamengo; no Red Star 93, da França, e no Olaria, onde encerrou a carreira em 1972. Depois ele ainda fez jogos de exibição ao lado de outros ex-jogadores no time do Milionários até 1982.

Garçom: – A grande fase do Mané foi mesmo no Botafogo, né?

João Sem Medo: – Sem dúvida alguma. Mas como falei, arrebentaram com ele.

Idiota da Objetividade: – O último jogo do Garrincha pelo Botafogo foi contra a Portuguesa da Ilha do Governador, em 15 de setembro de 1965, pela primeira rodada do Campeonato Carioca. A partida foi realizada no antigo estádio de General Severiano e o Alvinegro venceu por 2 a 1.

Garçom: – Na despedida dele eu fui ao Maracanã e fiquei com os olhos cheios de lágrimas quando ele deu a volta olímpica. Vou aproveitar a presença dele aqui pra fazer uma declaração: Garrincha você foi, ou melhor, você é um grande ídolo meu, mesmo eu não sendo botafoguense.

Mané Garrincha se levanta novamente e agradece e ambos são aplaudidos.

Idiota da Objetividade: – Em 19 de dezembro de 1973, no Maracanã, Garrincha se despediu do futebol num amistoso que ficou conhecido como o Jogo da Gratidão. A renda foi toda para ajudar Garrincha, que passava por sérias dificuldades financeiras. A seleção brasileira formada em sua maioria por jogadores da Copa de 70 derrotou um combinado de estrangeiros, quase todos em atividade no Brasil, por 2 a 1. Mais de 130 mil torcedores compareceram para dar adeus ao Anjo das Pernas Tortas, que saiu de campo aos 30 minutos de jogo para a sua última volta olímpica no gramado do Maracanã.

Ceguinho Torcedor: – Foi uma festa maravilhosa. Uma festa que nenhum outro jogador havia recebido em qualquer tempo, em qualquer país. E houve duas festas: primeiro, a de Mané; segundo, a nossa. A nossa porque estávamos felizes com a nossa própria felicidade. Devíamos muito a Garrincha.  A alegria que ele nos deu, durante anos, não tem preço. Mas, fosse como fosse, juntamo-nos para dizer obrigado. Simplesmente, obrigado.

Mané Garrincha chora de emoção e recebe muitos aplausos e abraços.

Garçom (também muito emocionado): – Como a emoção já toma conta de todos aqui, vamos chamar ao palco Noite Ilustrada pra mais uma homenagem ao grande Mané Garrincha.

Muito aplaudido, Noite Ilustrada vai ao palco.

Noite Ilustrada: – Muito obrigado. Todo o meu respeito a você, Mané Garrincha. Todo o meu respeito e toda a minha admiração. Vamos de Balada nº 7 (Mané Garrincha), esta belíssima música de Alberto Luiz que também fez muito sucesso na gravação de Moacyr Franco.

Músico: – São duas versões bem diferentes, mas igualmente lindas.

Garçom: – É verdade!

Noite Ilustrada: – Muito obrigado. Vamos lá!

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Um gol desse não se perde!

O TRICAMPEONATO MUNDIAL

por Elso Venâncio

Zagallo tinha 38 anos quando substituiu João Saldanha no comando da seleção brasileira, a dois meses da Copa do Mundo de 1970, no México. Ele trocou o esquema de jogo e ainda mexeu no time. Saiu o 4-2-4 e entrou o 4-3-3. Rivellino, que disputava posição com Gerson, passou a jogar mais recuado, pela esquerda. Clodoaldo tornou-se titular. Piazza deixou o meio de campo para formar a zaga com Brito. Everaldo ganhou a posição de Marco Antônio.

Pelé e Zagallo estavam frente a frente, no gramado do Maracanã:

“Eu só não admito sacanagem” – disse Pelé.

“Você é o único titular absoluto” – retrucou o Velho Lobo.

Emílio Garrastazu Médici, o general-tirano, indicou o baixinho e linha-dura brigadeiro Gerônimo Bastos como chefe de delegação. Vários jogadores eram fumantes: Gerson, Félix, Carlos Alberto Torres, Brito, Jairzinho…

O Brigadeiro determinou:

“Só três cigarros por dia, para cada um”.

Na comissão técnica estavam os capitães Cláudio Coutinho, Kleber Camerino e José Bonetti. O subtenente Raul Carlesso treinava os goleiros.

Pelé, tetracampeão do mundo, duas vezes com o Santos e outras duas com a seleção, já era chamado de Rei, inclusive pelo Presidente da CBD, a antiga CBF, João Havelange. Por Zagallo, seu ex-companheiro nas conquistas de 1958 e 1962, também.

Pelé, Gerson e Tostão, cada um dava um único toque na bola. Fontana teve imensa dificuldade de sair da roda de bobo, o que provocou uma enxurrada de risos… O zagueiro acusou Pelé:

“Você coloca os paulistas no time.”

O Rei convocou uma reunião no hotel, com as presenças de Gerônimo Bastos, João Havelange e Zagallo.

“Esse moleque”, apontou para Fontana, “disse que eu escalo a seleção. Se eu tivesse mesmo influência, ele nem estaria aqui, porque não joga nada. Quero ser tricampeão, e se alguém achar que estou errado, vou embora agora mesmo.”

O Brasil venceu os seis jogos que disputou. Jairzinho marcou gol em todas as partidas. Na estreia, 4 a 1 na Tchecoslováquia. Para enfrentar os ingleses, Gerson, sentindo a coxa, foi substituído por Paulo Cézar Caju, que entrou na ponta esquerda, passando Rivellino para o meio. Na entrada em campo, alguns jogadores brasileiros olhavam com admiração para os adversários, atuais campeões do mundo.

“Parem de olhar esses branquelos de merda”, reagiu Pelé. “Vamos ganhar!”

Foi o jogo mais difícil e equilibrado da Copa, com Gordon Banks fazendo uma defesa que parecia impossível, numa cabeçada de Pelé. Paulo Cézar Caju tornou a brilhar na vitória de 3 a 2 sobre a Romênia. Zagalo reuniu Carlos Alberto Torres, Piazza, Gerson e Pelé:

“Caju deve ser mantido? O voto é secreto…”

Deu empate.

Zagallo teve que decidir. Para isso, chamou Caju:

“Você é garoto ainda, pode esperar. Mas não se considere reserva.”

A seleção, unida, embalou. Venceu o Peru, dirigido pelo brasileiro Didi, ‘O Mestre da Folha Seca’, e espantou os fantasmas uruguaios ao virar para 3 a 1, com direito ao histórico drible de corpo de Pelé no goleiro Ladislao Mazurkiewicz. Na conclusão desse lance icônico, a bola caprichosamente passou rente à trave.

No Estádio Azteca, palco da grande final, Rivellino apresentou ao mundo seu elástico, um drible desmoralizante, nos indefectíveis 4 a 1 sobre a Itália. No gol que deu números finais ao placar, participação coletiva de quase meio time. Presenciamos, ao vivo ou pela tevê a cores, um dos últimos momentos do futebol-arte. Piazza para Clodoaldo, que rolou para Gerson e recebeu de volta. Clodoaldo driblou um, dois, três, quatro italianos, depois tocou para Rivellino, que descobriu Jairzinho fugindo de Fachetti, quem lhe marcava homem a homem. O ‘Furacão da Copa’ passou para Pelé, que, sem olhar para o lado, tocou para a direita, onde entrava Carlos Alberto Torres. A bola rolada rente à grama ainda deu um leve quique no gramado antes de encontrar o pé do ‘Capita’, que bateu forte, cruzado, estufando as redes do goleiro Albertosi. O golaço fechou com chave de ouro uma das maiores, senão a maior, conquista do futebol brasileiro.

ILUSTRES FUTEBOLISTAS SANTACRUZENSES NATOS – 2

por Ivaneguinho

ACILINO DE OLIVEIRA, O “ACILINO CANHÃO”.

Acilino de Oliveira, o Acilino Canhão, é mais um Santacruzense da gema! Líder em sua essência, foi escolhido por unanimidade para ser o capitão do Vasco da Gama na lendária partida contra o Santos de Pelé, no Maracanã!

Nessa “batalha”, nosso Rei do Futebol assinalou o seu tento número mil e um pequeno detalhe precisa ser exposto. Minutos antes do Rei marcar o milésimo, o nosso hábil capitão Acilino, numa arrancada que só os prodígios conseguem, foi derrubado dentro da área do Santos pelo saudoso craque, Djalma Dias. Apesar do lance ter sido nítido, o juíz nada marcou, fazendo sinal com as mãos pra seguir o lance. Fez vista grossa dizendo: “Foi nada! Jogou-se”! Mais claro do que aquele lance, impossível!

ACILINO… Jogador multicampeão! Levantou vários troféus! Eleito diversas vezes como o atleta que havia feito o gol mais bonito da rodada. Foi tantas vezes homenageado no Programa do Chacrinha, o Velho Guerreiro!

ACILINO… Forte, talentoso e habilidoso! Possuía um chute tão potente, que passou a ser chamado, carinhosamente, de: o CANHÃO DA COLINA! Nos apaixonantes Campeonatos Cariocas, entre os anos 60 e 70, foi citado pelos desportistas das rádios do Rio de Janeiro, como um dos melhores pontas esquerdas do nosso Certame.

O seu início e sua passagem pelo Campo Grande foi como um meteoro. Logo despertou interesse por clubes de maior porte, sendo adquirido o seu passe pelo Cruzmaltino. Ali, se destacou por longos 10 anos e, mais tarde, após receber várias propostas financeiras “tentadoras” e compensadoras, saiu desbravando o mundo, exibindo o seu talentoso e nato futebol.

UM VENCEDOR!

IVANEGUINHO, O AMIGO DOS CRAQUES!

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA paulo victor

“Quem vai a Belém do Pará, desde a hora em que sai não se esquece de lá, quer voltar.

Lembrar o açaí, o tacacá, que saudade que dá de Belém do Pará!

Orar na Matriz de Belém,
conversar com alguém,
como é bom recordar!

Jesus em Belém foi nascer, eu quisera morrer em Belém do Pará.

Tá aqui tucupi, tem mais o jambu, também camarão. Quem quer tacacá?”

Os versos da letra de “Tacacá”, de Luiz Gonzaga (1912-1989), são relações sentimental e sensorial para um filho da terra que brilhou com “as cores que traduzem a tradição”. Graças a ousadia de sair do Norte do país pelo Brasil afora.

Incertezas pavimentaram o caminho de Paulo Victor. Conviveu com todas elas durante seis anos. Este foi o tempo que o arqueiro levou até chegar ao clube e se tornar campeão carioca.

Mas quem ama, ama na pluralidade de um sentimento verdadeiro. De 1981 até 1987, quando completou 30 anos, Paulo Victor Barbosa de Carvalho, deixou as Laranjeiras. Foi embora fisicamente para seguir a carreira, e colocou o coração nas mãos dos tricolores.

Amparado por Paulo Goulart e, sendo incorporado à equipe campeã carioca, Paulo Victor assume a camisa 1 após um ano de Fluminense. E começa a escrever lindas páginas que seriam, meticulosamente, exploradas, com toda aquela conotação poética e sarcástica de Nélson Rodrigues (1912-1980).

Imaginem! Da camisa tricolor à Copa do Mundo do México, em 1986. E cheio de títulos na bagagem.

O Vozes da Bola está voltando do Departamento Médico para trazer uma entrevista que não vai deixar passar nada! Nem pensamento. O arqueiro tricolor, recebido por Félix Miélli Venerando, o Félix (1937-2012), em 1981, encarnou a camisa do Fluminense. Vibrante e atuante naquele time de 1983 até 1985.

E, cá para nós: se Romário fez 1.002 gols, tenham certeza leitores! Nenhum foi feito em Paulo Victor, nosso 45° personagem da série Vozes da Bola!”.

Por Marcos Vinicius Cabral

Edição: Fabio Lacerda

Como era a adolescência do Paulo Victor antes de iniciar a carreira no extinto Centro Esportivo Universitário de Brasília (CEUB) do Distrito Federal, em 1974. Como foi este período na sua vida?

Antes de iniciar carreira como jogador de futebol, era jornaleiro e engraxate em Brasília. Estes trabalhos serviam para ajudar meus pais nas despesas de casa, já que nossa família era composta por sete irmãos. Aos 11 anos já vendia jornais na feira livre e engraxava sapatos dos frequentadores de lá e dos andarilhos da cidade. Depois do trabalho é que batia minha bolinha em um campo de terra no Cruzeiro Velho, em Brasília.

Como surgiu a oportunidade em jogador de futebol?

Foi natural. Sem pressão. Comecei jogado futebol no bairro, e em seguida, no clube Cariocas. As coisas foram acontecendo e surgiu a oportunidade de jogar no Novacap, time da capital que tinha boa estrutura. Eu, Jorge Luiz e Marco Antônio éramos meninos do bairro e destaques no Novacap. Acabou que o destinou nos separou. O Jorge Luiz foi jogar no Olaria, e o Marco Antônio no Vasco. Eu fui para o CEUB, Operário e Brasília. Daí surgiram outras oportunidades de jogar futebol em grandes metrópoles.

Por que escolheu a posição de goleiro?

Eu era zagueiro (risos). Mas certa vez, atuando como defensor no time do Cruzeiro, o goleiro faltou e acabei indo por vontade própria para substituí-lo. Dali em diante nunca mais deixei a pequena e a grande área!

Depois de peregrinar no futebol brasileiro, você acabou indo para o Fluminense, antes do início da década de 1980, no ano do título carioca. Relembre o momento, volte no tempo!

Estava passando férias em Brasília e jogando a pelada do Marreta que era realizada todos os anos. De repente, gritaram lá da arquibancada que estava sendo vendido para o Fluminense. Desconfiei. Quando terminou o primeiro tempo fui lá para ver se era verdade. E não é que era! O Fluminense estava me contratando junto ao Vitória-ES. Fui no clube, uma segunda-feira, para me despedir dos companheiros. Na terça-feira, viajei para o Rio e me apresentei.

Como surgiu o interesse na contratação de Paulo Victor?

Foi na preliminar da partida entre a Seleção Carioca e a Seleção Capixaba de juniores. A gente abria o clássico da cidade, que era Vitória e Desportiva. Nesse dia, estavam nas arquibancadas, Paulo Alvarenga e Roberto Alvarenga, ambos do Fluminense. Eles foram observar o Geovani, que veio a se destacar no Vasco. Mas decidiram me contratar e aconteceu desta forma. Agradeço muito ao Félix, tricampeão do mundo pela Seleção Brasileira, que me recepcionou muito bem e era meu ídolo. Foi uma das maiores alegrias que tive como jogador profissional.

Quais as circunstâncias que levaram você a ter oportunidade de titular? Contusão do goleiro titular ou escolha técnica?

Na verdade, foi escolha técnica. Tivemos um jogo contra o River-PI e perdemos por 3 a 0. Em seguida, já fui comunicado pelo Nelsinho que enfrentaria o Paysandu e entrei no time.

Como foi ser tricampeão carioca em 1983/1984/1985 e campeão brasileiro de 1984?

Os anos de 1981 e 1982 foram muito ruins. Fomos eliminados na derrota por 2 a 1 para o Grêmio, em pleno Maracanã, e não chegamos à final do Brasileiro. Coisas do futebol. Mas na montagem do time de 1983, eu e Deley éramos os únicos remanescentes. E conquistamos títulos. O Brasileiro foi inesquecível. E no ano seguinte fechamos com o tricampeonato carioca, o último do clube.

No Brasileiro de 1984, você sofreu 12 gols em 24 jogos. Média de 0,5 gols. O fato o coloca como um dos goleiros que menos levaram gols no Campeonato Brasileiro. O que você atribui impressionante marca?

É uma marca histórica. Acho que nenhum goleiro da atualidade vai conseguir bate-la. Particularmente, fico feliz em conseguir alcançar meta e sei que só foi possível devido aos treinamentos e a Ricardo Gomes, Vica e Duílio que foram zagueiros excepcionais com quem joguei. Não tenho dúvidas disto!

Você foi o único goleiro do Rio e do Brasil que enfrentou Romário e não tornou-se vítima do Baixinho. O que tem a dizer?

Jogar contra Romário não era fácil. Primeiro, porque estava iniciando a carreira, era um jovem de 18 anos. O camisa 11 era um atacante muito inteligente e veloz, o que dificultava ainda mais enfrentá-lo. Graças a Deus, nunca tomei gol dele. Isto é, até hoje, motivo de alegria em ter enfrentado um dos maiores atacantes de todos os tempos e não ter sofrido nenhum gol dele.

Difícil falar do Fluminense e não lembrar de alguns ídolos, como você. Qual é a relação que você mantém com a torcida tricolor?

Tenho uma identificação muito grande pela torcida do Fluminense, e o carinho dela comigo é recíproco. Sempre respeitei o torcedor tricolor e eles sempre me respeitaram também. Foi uma troca. Na verdade, continua sendo. Um ídolo não se faz apenas dentro de campo, mas também fora dele. É bem por aí, minha paixão por eles, torcedores, e a paixão deles por mim.

Você é o segundo goleiro que mais defendeu as cores do Fluminense, atrás apenas de Castilho. O que tem a dizer da marca?

Sou o segundo goleiro que mais vestiu as cores do Fluminense. Fico feliz por isto, mas quero enfatizar aqui nesta entrevista que o Vozes da Bola me proporciona: não vi o Castilho jogar, mas vi o Félix. Com todo respeito ao Castilho que tem um história linda no Fluminense, mas para mim, Paulo Victor Barbosa de Carvalho, Félix foi o maior de todos. E a galeria de goleiro do clube é fantástica com Marcos Carneiro de Mendonça, Batatais, Veludo, Paulo Goulart e outros tantos. O clube sempre foi uma escola de grandes goleiros do futebol brasileiro.

Fábio, aos 43 anos, é titular do Fluminense. E você saiu do clube aos 30. Qual foi o impasse para permanecer por mais tempo na meta tradicional tricolor?

Não vencemos em 86, 87 e 88. O time começou a ser desfeito. Simplesmente por isto. Mas cumpri meu papel e, graças ao trabalho que realizei no Fluminense, me tornei ídolo da exigente torcida tricolor.

Paulo Vitor, você enfrentou o Flamengo 23 vezes, com oito vitórias, dez empates e cinco derrotas. Relembre este período que o Fluminense crescia para cima do Flamengo?

Para mim, o Flamengo sempre foi freguês. Sempre ganhei mais do que perd. Basta ver as decisões que tive contra eles. Refiro aos anos consecutivos de.1983 e 1984. Nada se compara a um Fla-Flu. Nada! É o maior clássico do mundo. E para mim, sempre foi marcante enfrentar o Flamengo.

Aproveitando que estamos falando do clássico que “começou 40 minutos antes do nada”, como dizia Nelson Rodrigues, qual foi o Fla-Flu inesquecível para você?

O de 1984. Participei de forma decisiva naquele jogo, pois fui muito exigido e com grandes defesas, me saí bem. Depois, o Assis fez o gol e consegui com minhas defesas assegurar o título.

Você jogou contra grandes craques do futebol. Quais deles você mais respeitava quando ficava cara a cara com o “homem-gol”?

Havia muito respeito da minha parte pelos grandes craques que enfrentei durante a carreira. Falo de jogadores como Zico, Roberto Dinamite, Luizinho, Éder, Leandro, Junior, Mendonça, Marinho, uma infinidade de grandes craques. Não teve um apenas que respeitei, mas muitos. Graças a Deus, muitos se tornaram amigos.

Você disputou jogos pela Seleção Brasileira e foi à Copa do Mundo de 1986, no México, como reserva de Carlos. O que faltou para disputar uma Copa do Mundo como titular?

Era titular com Evaristo de Macedo , em 1985. A entrada do Telê Santana, eu acabei perdendo espaço para o Carlos, que era um baita goleiro. Mas fazer parte do grupo que esteve no México foi bom demais.

Como foram os dias após a eliminação da Copa do Mundo de 1986 antes de retornar ao Brasil?

No dia da eliminação foi uma tristeza muito grande. Lembro como se fosse hoje. A concentração parecia um velório e, ironicamente, o lugar que vivia cheio de gente estava sem uma única pessoa. A eliminação para a França foi um dos episódios mais tristes que presenciei em toda carreira.

Já veterano, você defendeu pela primeira vez equipes da terra natal, jogando pelos dois principais clubes do Pará? Como foi a experiência jogar junto aos seus conterrâneos?

Boas trajetórias. Subimos o Remo, em 1992, para a elite do futebol brasileiro, e no ano seguinte, o mesmo feito com o Paysandu.

Em 1994, último ano antes de pendurar luvas e chuteiras, jogando pelo Volta Redonda, você defendeu um pênalti contra o Fluminense, cobrado pelo atacante Ézio, e foi ovacionado pela torcida tricolor. Qual a sensação?

Esse é um jogo inesquecível para mim. Passei boa parte da minha vida treinando nas Laranjeiras e defendendo as cores do Fluminense. Surpresas que o futebol apronta na vida da gente! Estava no Volta Redonda e vivi um momento difícil ao ter que enfrentar o clube do meu coração. E o pior foi eliminar o Fluminense dentro das Laranjeiras, que considero minha casa. Nesse jogo, vivi a felicidade de pisar novamente no gramado do Estádio Presidente Manoel Schwartz, e triste por eliminar o clube que tanto amo. E teve um momento especial nesta partida em que o confronto estava empatado em 1 a 1, e aos 42 minutos do segundo tempo, foi marcado um pênalti contra nós. Caminhei lentamente em direção ao Ézio e disse a ele: você não vai fazer! Ele disse que faria, pois a torcida estava pegando no pé dele. Dito e feito. Ele bateu e defendi. Ao invés de vaiarem o camisa 9 tricolor, o torcedor aplaudiu de pé o camisa 1 do Volta Redonda. Naquele momento, percebi o amor que a torcida do Fluminense tem por mim. Não deu para conter as lágrimas.

O SACODE NO PEIXE

por Marcelo Meira

Hoje, rebuscando um armário embutido, no rés-do-chão, encontrei um jornal da cidade aqui com uma reportagem de fevereiro de 1996. Uma relíquia. Na época, por intermédio de Armênio, um amigo comerciante influente em Santos-SP, combinamos de trazer a Miguel Pereira um time de veteranos do famoso Santos Futebol Clube para enfrentar a seleção veterana da cidade.

A equipe local dormiu concentrada num clube daqui. Os de fora vieram tomando cachaça pela estrada e partiram de Santos durante a madrugada, numa Kombi e dois carros, chegando aqui em casa, onde aconteceu o jogo, por volta de 11h. Comeram churrasco e beberam cerveja.

Eram veteranos mesmo, a maior parte ex-reservas do Santos, com exceção do Mengálvio, que ficou de técnico e Negreiros, cracaço muitas vezes titular do Peixe.

O time da casa, além de concentrado, foi enxertado com alguns novinhos e não-veteranos. Resultado: 12×3 para Miguel Pereira.

Segue a foto no jornal com a reportagem de 1996.