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ALMOÇO EM FAMÍLIA

26 / julho / 2018

Ao querido mestre e amigo Arthur Monteiro (in memoriam)

por Claudio Lovato


Estão almoçando na casa que agora parece grande demais, silenciosa demais, escura demais.

Mas não hoje. Hoje resolveram que a tristeza vai ficar lá fora.

A companheira que Deus lhe apresentou sob o céu do Cerrado brasileiro, os dois filhos e suas famílias, a filha, todos muito amados.

Todos em torno da mesa.

Paulinho da Viola está cantando (porque o samba não poderia faltar):  “Eu sou assim/Quem quiser gostar de mim/Eu sou assim”.

O adeus foi há uma semana. Uma semana e um dia.

O filho mais novo relembra um caso. Todos riem. 

– Era desbocado! – diz o filho mais velho.

E também atento, astuto. Homem das redações e das ruas, eterno repórter, cronista da vida. Mestre.

Engraçado, iconoclasta. Afetuoso no sentido que mais importa: da presença, do apoio, do não deixar que um dos seus – familiar ou amigo – se sentisse sozinho.

Os quadros nas paredes da sala e da cozinha. Artista.

A netinha pergunta sobre o lugar onde ele está agora.

– Cuidando de nós. O vovô está cuidando de você! – diz a esposa. 


Na parede da sala, ao lado da porta da entrada, a bandeira do clube que ele ensinou seus filhos a amar. A bandeira tricolor.

Ele viu Oswaldo Rolla, o Foguinho, fazer os caras subirem e descerem as escadarias do Olímpico como parte da preparação física naqueles tempos em que ele, garoto, assistia aos treinos do time.

O almoço em família prossegue entre risos e lágrimas e episódios recordados.

A dor que vai arrefecendo aos poucos, a dor se transformando em algo suportável. Negociação íntima a cargo de cada um e que, ao mesmo tempo, necessita de um acordo coletivo entre todos eles para se concretizar.

O tempo como sempre se encarregará de tudo que for necessário para que a vida siga.


Paulinho da Viola agora canta assim: “Não sou eu quem me navega/Quem me navega é o mar/É ele quem me carrega/Como nem fosse levar”.

Alguém abre outra garrafa, as taças são servidas.

Há lágrimas misturadas ao vinho.

– Tá chorando por que, porra? – diz de repente o filho mais novo, imitando a voz dele, e todos riem.

Neste momento eles são isto: espera.

Pelo tempo. Pelo passar do tempo.

Pela paz trazida por um legado que é fruto direto e poderoso do amor.

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