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PELÉ, QUANDO FOMOS REIS

23 / outubro / 2017

por Rubens Lemos 


Depois de levar 18 foras da menina mais bonita, ele foi perguntar a razão ao amigo e confidente. Recebeu uma resposta sincera. A franqueza, afinal, é a senha do cofre da confiança: “Não adianta insistir. Você nunca vai namorar com ela porque é feio demais. Horrível. É duro te dizer, mas amigo é para falar a verdade?”.

O rejeitado resistiu. “Você está enganado. O problema deve ser outro. Antipatia gratuita, ela torce pelo Flamengo, eu pelo Vasco, incompatibilidade astral. Beleza não é o caso. Minha mãe sempre me disse que eu sou bonito. Aliás, lindo!”.

O amigo franco mandou que ele fosse pentear um macaco e foi embora aos impropérios.

A imprensa esportiva brasileira é a mãe enganadora dos pobres torcedores. É ela quem disfarça um futebol assemelhado às bruxas de histórias assombradas feitas para acalmar meninos rebeldes, de princesa de conto de fada. O futebol brasileiro não é, faz tempo, o melhor do mundo.

O Brasil deve a Pelé a liderança unânime e indiscutível. O sublime, o sobrenatural, o intangível, o inalcançável, extraterreno, o inimitável, foi a razão de uma pátria inteira calçar chuteiras e um jeito mágico de jogar virar instituição para se transformar em pó nos tempos de hoje.

O Brasil de Pelé. O Brasil com Pelé. Pelé disputou quatro Copas do Mundo. Em 1958, 1962, 1966 e 1970. Na primeira delas, tinha 17 anos, era um garoto que colecionava revistas do Mandrake e estava prestes a servir o Exército. Ganhou a primeira, a segunda, perdeu a terceira, conquistou a quarta.

Pelé ganhou três, das quatro Copas do Mundo que jogou. Ninguém está dizendo que antes o Brasil não teve craques. Produziu gênios do nível de um Fausto, a Maravilha Negra, de um magistral Domingos da Guia, de um Danilo Alvim, o Príncipe, de um Zizinho, de um Jair, de um Julinho, de um Leônidas da Silva. De um Ademir Menezes.

Mas a força espetacular de Pelé colocou o Brasil no patamar parecido com o dos Estados Unidos no Basquetebol. O esporte ganhou forma e fórmula, ginga e molejo, seus artifícios tinham parentescos com o samba, a malandragem e a boemia. O passo, o compasso, a cadência. Pelé consolidou o brasileirismo no futebol.

Com Pelé, o Brasil mostrou ao planeta estrelas incomparáveis: Djalma e Nilton Santos, os sagrados laterais, Didi, Garrincha, Gerson, Rivelino, Tostão, Jairzinho, Edu, Coutinho, Ademir da Guia, Pepe, Paulo César Caju, Dirceu Lopes,Pagão, Toninho, Mário Sérgio, Amarildo, Almir.

Sem Pelé, o Brasil foi um menino bonito no fantástico escrete de 1982, com Zico, Sócrates, Falcão, Cerezo, Zico, Éder, Leandro e Luizinho. Que perdeu pela estoica opção de atacar e também por enfrentar um timaço que nunca reconhecemos, a Itália de Antognioni, Cabrini, Zoff, Conti, Scirea, Paolo Rossi era, sim, uma verdadeira Squadra Azzurra.

Sem Pelé, o desempenho brasileiro nos outros mundiais perdidos foi ridículo. Em 1974, precisamos de um gol espírita de Valdomiro contra o risível Zaíre, depois de dois empates em 0x0 na primeira fase. Uma Copa com o dito supremo futebol planetário marcando apenas seis gols e levando quatro.

Sem Pelé, o Brasil foi Campeão Moral na Argentina em 1978 e só passou da primeira fase porque o Almirante Heleno Nunes, representante da ditadura militar no comando do futebol, escalou Roberto Dinamite contra a Áustria. O Brasil ganhou de 1×0 e passou à fase seguinte. Antes, dois empates medíocres contra Suécia e Espanha.

Sem Pelé, em 1986, o Brasil caiu nas quartas-de-final contra a França, com Elzo e Alemão no meio-campo. Nas oitavas foi eliminado em 1990, com Dunga e Alemão na meia-cancha, e Maradona fazendo fila indiana de zagueiros até deixar Caniggia fazer o gol argentino. Nas quartas, caímos em 2006 e em 2010.

Sem Pelé, o mundo gira em torno de um clubinho fechado. Está todo mundo igual com mais dois emergentes. O Brasil ganhou em 1994 graças a Romário e em 2002 a Rivaldo e Ronaldo. A Argentina em 1978 pelos tentáculos da barbárie e em 1986 pelos pés de Maradona, a Alemanha em 1974 e 1990, 2014 e a Itália em 1982 e 2006. A França em 1998 e a Espanha em 2010 foram os intrusos. Sem Pelé, nasceram outros luminares: Romário, a citada Geração de 1982, Reinaldo, Careca, Djalminha, Pita, Geovani, Adílio, Rivaldo, Edmundo, o lacrimoso Bebeto, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho até o Barcelona. E pelo mundo afora outros iguais ou melhores.

Então é balela a história de que o melhor futebol do mundo ainda é o do Brasil. Foi. Enquanto Pelé existiu. Com lampejos no tempo do Flamengo de Zico. Agora a categoria é fulana. Hoje, todo clube grande tem um argentino, uruguaio ou chileno razoável.

Quando fomos reis, a esperança não se resumia à molecagem moicana de Neymar ou à insistência com ex-jogadores em atividade. Quando fomos reis, Pelé, o monarca, dispensava Galvões Buenos, ufanistas radicais, vendilhões do patriotismo, estelionatários da fé do povo. Pelé, por mais que não parecesse, era de verdade.

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