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PALMEIRAS DE SANGUE

26 / agosto / 2016

por Marcelo Mendez


O ano de 1997 foi duro…

Meu pai, cansado de lutas, das coisas da vida, doente, duramente doente, lutava contra todas as suas infecções renais, suas dores, suas mazelas de mortal que um homem da grandeza de meu velho não merecia ser. Meu pai merecia mais, muito mais…

Em uma daquelas noites de visita no Hospital Jardim em Santo André, enquanto eu me apertava numa poltrona ao lado de seu leito, o velho me chamou:

– Ei, Barbudo…

– Fala pai, que foi?!

– Quanto foi o último jogo do Palmeiras nosso??

– Ah! Se liga, pai! Dorme aí…

– Deixa de ser tonto, rapaz. Me diz! Ganhamos?

– Pai, o senhor já tá aí todo macumbado. Melhor deixar o Palmeiras pra lá, vai por mim…

Velho riu do jeito que podia e insistiu:

– Não se nega um pedido para um homem nessa minha condição. Diga quanto foi o jogo?

– Tá bom; Foi 0×0 os dois últimos jogos. O time tá uma merda. Agora dorme!

– Não!

– Que?! Como assim, “não”? Dorme aí caralho, quer morrer??

Nessa hora, meu pai fez toda a força do mundo, se levantou da cama, me pegou pelo braço e disse com a velha firmeza de sempre:

– Escuta aqui, moleque: eu sou teu pai e te criei para ser feliz. Te preparei para suportar as porradas da vida sim, mas não pra se render assim feito um boi lambão pra tudo que é dureza que aparecer. Que mais você quer? Que eu meta uma faca no meu peito? Você não tá vendo meu estado? Se eu tô te perguntando pelo nosso time é porque isso me da alegria e não importa o resultado de nada. Eu quero falar de futebol com meu filho, posso?

– Pai…

– Cala a boca! Promete a mim: domingo você vai lá no Palestra, vai torcer, vai gritar, vai tomar uma cerveja, vai abraçar um estranho na hora do gol e vai ser feliz…

– Pai, deita nessa porra!!

– Promete!!

– Tá bom, prometo!

Assim meu pai deitou e dormiu. Olhando pro velho torci muito pro meu Palmeiras contra o Paraná Clube uns dias depois e aí, depois do 3×1 quis muito contar pra ele. Corri pro hospital depois do jogo na hora da visita, mas ele não estava mais no quarto. Quando o médico chamou a mim e minha mana pra conversar, nos desenganou e nosso mundo acabou. Dois dias depois o velho morreu. Tristeza sim, mas não definitiva.

Em horas onde o sofrimento é latente, que a poesia ganha força de um milhão de exércitos pra ajudar o Poeta a suportar. Lembrei de tudo, do Palmeiras em mim, em nós.

Foi chorando na arquibancada do Parque Antártica em 1985 após a derrota de virada para o XV De Jaú por 3×2 que descobri que amava meu clube. Após a derrota para a Inter De Limeira, por 2×1 na final do Campeonato Paulista de 1986, que senti forte a dor de uma perda, por algo que você ama muito. Depois de um implacável 3×0 metido pelo Bragantino em um timaço nosso em 1989, eu entendi a complexidade, a dureza de manter um amor por toda a vida. Chorei demais em 1997 quando meu pai cansou dessa chatice e decidiu descansar desse mundo chato.

No dia do enterro do meu pai, fui ao Palestra Itália como eu o havia prometido alguns dias antes. E lá, vi o Palmeiras golear o Grêmio por 5×0, o que me fez me sentir um pouquinho menos triste.

Chorei.

 Chorei num misto de alegria e tristeza, mas, não tive mais dúvidas; Eu sou Palmeirense. Sou porque foi na miséria ludopédica plena que esse amor se consolidou. Amor de Trapo e Farrapo, minha bandeira de guerra, meu pé de briga na terra, meu direito de ser gente, como cantou Paulo Vanzolini. O Palmeiras é isso na minha vida; “Meu direito de ser gente”. E fui…

 

Pelo Palmeiras eu vivi tudo; Eu ri, chorei, xinguei, amei, odiei… Vivi a plenitude da existência e entendi que isso faz parte não só do esporte, mas da vida. Por isso, mais do que qualquer outro vivente do mundo, eu sei o gosto bom de ser Verde no coração. Sei pelo paradoxo disso tudo, do contrário que pode acontecer ou seja; Sei porque não preciso de nada… de mais nada além da paixão, para me sentir Feliz pelo meu Palmeiras.

Sei, porque o Palmeiras é muito mais que um clube de futebol para mim.

Sei porque entendi há muito tempo que o Palmeiras é um pouco de tudo que há no futebol. O Palmeiras é um drama, como na Cavaleria Rusticana, o Palmeiras é um sonho como num filme de Akira Kurosawa, o Palmeiras é uma tragédia como Carmen de Bizet, o Palmeiras é lindo como a Nona Sinfonia de Bethoveen, como a peça Jesus Alegria Dos Homens de Bach, é triste como o fim do primeiro namoro, é pleno como a fúria de uma paixão.

Aos teus 102 anos de vida, de grande vida Palmeiras, aqui está menino que tu criaste. Que jamais deixará de ser o menino palmeirense.

Hoje, homem de seus 45 anos, escritor, jornalista, apaixonado por Sandra, jamais deixará de ser o menino lá dos anos 70. Tudo que faço tudo, tudo que sinto tudo que eu sou vem do menino. O jeito latino, a malandragem do bem, incessante disposição na busca por encanto, o Palmeiras… Tudo é o menino.

Tudo é Palmeiras, tudo é festa pelo teu aniversário e ao invés de Parabéns, te digo o que direi por todo sempre:

Palmeiras, eu te amo…

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