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OS PROLETÁRIOS DA BOLA

6 / julho / 2017

por Igor Serrano


O futebol como conhecemos hoje em dia tem seu cerne na Inglaterra no ano de 1863 com a fundação da Football Association e o estabelecimento das regras do esporte. Embora a entidade tenha sido fundada por membros da elite inglesa, o futebol inglês rapidamente se tornou um esporte de massa, principalmente das muitas fábricas e operários.

No Brasil, por sua vez, a religião pagã (como diria Eduardo Galeano) foi trazida graças a alguns jovens da aristocracia que foram enviados para estudar na Europa e ao regressar trouxeram livros de regras, bolas e demais equipamentos para a prática.

O que poderia ser uma importante ferramenta de integração de classes sociais em um país recém-liberto da escravidão e com pouco tempo de República instaurada, na verdade foi transformado em instrumento de segregação das camadas populares, de exaltação à elite e fomento ao racismo.

Ao confrontarem este panorama, alguns clubes tiveram grande destaque na história do futebol brasileiro. Um deles ficaria marcado para sempre, inclusive, por ser o responsável por escalar o primeiro jogador negro do futebol brasileiro: Francisco Carregal, em 1905. O nome da equipe? The Bangu Athletic Club!


Mas tal fato histórico nunca teria acontecido se não fosse o entusiasmo de Thomas Donahoe, escocês, um dos funcionários da Fábrica Bangu (localizada na então zona rural da Freguesia de Campo Grande) para fomentar a prática do futebol nos arredores fabris. Em 1904, com a autorização da Direção, foi fundado o Bangu A.C. a partir dos trabalhadores da citada indústria têxtil, prática muito comum na Europa, em especial na Grã-Bretanha, de onde vieram Donahoe e mais vinte e um ingleses.

Todo este panorama, em especial o pioneirismo da escalação de Carregal e a fundação de um clube operário em uma época de futebol dominado pela elite carioca, é contado em “Os Proletários da Bola: The Bangu Athletic Club e as lutas de classes no futebol da Primeira República (1894-1933)” de Gustavo Santos, que será lançado na próxima sexta-feira às 19h no Rio de Janeiro (Bistrô Multifoco: Av. Mem de Sá 126 – Lapa) pela Editora Multifoco (Selo Drible de Letra).

Indagado sobre a motivação para escrever a obra, o autor declarou:

Considero que toda pesquisa histórica nasce de uma preocupação do presente, uma História de fato como ciência, não como literatura ou romance deve ter uma preocupação de um problema social em que vai se buscar elucidar tais problemas através de elementos do passado. É como se estivessem estudando elementos embrionários de um determinado corpo que se formou ao longo do tempo, e estudando esses elementos germinais permite-nos entender melhor o por quê tal corpo se configurou de tal forma, assim como os elementos do presente e do distanciamento histórico permitem elucidar fenômenos mais nebulosos da História.


Partindo dessa premissa, três fatores me levaram a essa pesquisa. O primeiro foi a inauguração do monumento a Thomas Donohoe no Shopping Bangu (antiga Fábrica Bangu), pois sempre me incomodou essa perspectiva da introdução do futebol no Brasil através dos impulsos pioneiros, de homens a frente de seu tempo que edificaram o futebolà partir “do nada” nessas sociedade, seja com Charles Miller, Oscar Cox ou mesmo Donohoe. O segundo problema consistiu na carência que verifiquei de uma abordagem marxista à história social do futebol brasileiro, pois há interpretações pelas mais diversas vias, mas nenhuma praticamente que busque compreender o futebol dentro de um contexto mais amplo da economia e do desenvolvimento da sociedade. A terceira questão foi dar uma pequena contribuição para estimular esse sentimento das raízes operárias à torcida do Bangu, contribuindo no sentido do torcedor entender um pouco mais o que moldou a identidade de seu clube, isso num contexto atual em que os diversos aspectos do futebol foram plenamente dominados pela lógica mercadológica, inclusive o ato de torcer que se esvai os ritos e símbolos, e fica apenas o consumo. A figura do consumidor substituiu o torcedor. Assim uma compreensão histórica da formação social do futebol contribui de alguma forma a analisar criticamente os problemas a que chegaram o futebol de hoje.

Falando da pesquisa em si, ela consistiu em buscar que elementos históricos permitiram que nascesse um clube como o Bangu numa conjuntura em que o futebol era um monopólios das elites, um clube operário, localizado numa Fábrica praticamente isolada do resto da cidade, e que ainda aceitava negros, poucos anos após a abolição da escravidão no país.

Para isso eu compreendi em que constituir apenas uma narrativa de micro-história do clube do Bangu durante o período seria insuficiente, então busquei compreender o Bangu num contexto mais amplo, abarcando a ligação da inserção do futebol na sociedade brasileira através penetração dos capitais ingleses no país (sendo a Inglaterra o pai do futebol com regras unificadas). Em uma conjuntura em que o Brasil saia das relações de produções escravistas para relações assalariadas e passava a formar seu capitalismo de estilo sui generis, um capitalismo dependente ao centro do imperialismo (Inglaterra, e posteriormente pós a Segunda Guerra, os EUA). Assim busquei entender o futebol sendo inserido no Brasil como um reflexo dessa lógica econômica, e a partir daí fui reduzindo a escala de observação, onde podia notar aspectos como: Que conteúdos ideológicos estavam sendo inseridos na disseminação da prática aqui no país, ou entender melhor a composição da classe operária pluri-nacional de Bangu, e depois dessa análise contextual fui fazendo propriamente estudos de caso, observando como o futebol durante todo aquele período foi um centro de eferverscência de lutas políticas e de organização de classe, tanto para a classe operária como no caso do Bangu, como no caso dos clubes das elites, em que almejavam que o futebol fosse um meio de distinção, onde se desenvolveram embates entre esses dois meios distintos, à qual qualifico como uma luta de classes. 

Depois desse segundo movimento pude retornar a escala macro, e pensar o futebol como imagem-síntese da sociedade contemporânea“.

Imperdível para todos os amantes do futebol!

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