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OS DOIS LADOS DA BOLA

25 / outubro / 2017

por Marcos Vinicius Cabral


Quis o destino que os “Deuses do Futebol” tornassem o ano de 1974 marcante para Wemerson Lins Brum e Leovegildo Lins Gama Júnior.

No mundo ludopédico, tradicionalmente conhecidos como Lins e Júnior.

Foi em janeiro de 1974 que o recém-nascido Lins dava, no Hospital São Paulo, no Ingá, em Niterói, seu primeiro choro em vida.

Havia em Dona Elza, sua mãe, alegria em acordar nas madrugadas para amamentar e trocar suas fraldas, pois o pequeno Lins era a realização de um sonho dela com seu esposo Moacyr.

Em dezembro do mesmo ano, um certo Júnior marcava um golaço do meio-campo, na vitória do Flamengo por 2 a 1 sobre o  América.

O gol em si – precedeu o título carioca em um empate sem gols contra o arquirrival Vasco da Gama – foi marcado no Maracanã e percorreu alguns bairros como Tijuca, Cidade Nova, Praça Mauá, Glória, Flamengo, Botafogo, até chegar em Copacabana, onde Dona Vilma pulava de alegria com o primeiro de muitos triunfos do filho, camisa 4 e lateral-direito do Flamengo.

Se havia um brilho ímpar nos olhos das progenitoras dos predestinados filhos, as emoções em trocar uma simples fralda ou amamentar na madrugada, assim como o gol antológico ou o título logo no primeiro ano como profissional em uma noite iluminada no Estádio Mário Filho, representariam para elas um orgulho imensurável.

A vida seguia seu fluxo normal e ao ganhar pela primeira vez um presente especial das mãos de seu pai, seu Moacyr, o pequeno Lins entenderia aquele gesto paterno como um mandamento: amar a bola sobre todas as coisas.

Foi a primeira vez que, com os olhos marejados, seu Moacyr ficou emocionado com o sorriso sincero e inocente de seu filho.

Já Júnior, então com 22 anos, jogaria sua primeira e única Olimpíada, a de Montreal, no Canadá, na lateral-esquerda.


Contudo, dois anos depois, acabou tendo uma grande decepção ao ser preterido pelo técnico Cláudio Coutinho, que optou em improvisar o tricolor Edinho na lateral-esquerda, na Copa do Mundo da Argentina, em 1978 e não levá-lo ao Mundial na Argentina.

Mas apesar do ato imperdoável de um dos maiores treinadores do Clube de Regatas do Flamengo, os rubro-negros sabem que “herrar é umano”.

Já no fim daqueles anos, o pequeno Lins passou a ser chamado carinhosamente na infância de “Merson”, por ter sido uma criança dócil e benquisto pelos moradores da Rua Benjamin Constant, no Barreto em Niterói.

E Júnior, ganhava dos companheiros de clube e da imprensa carioca, o apelido de “Capacete”, por ostentar um cabelo estilo “Black Power” (movimento representado pelo orgulho racial que teve início nos anos 20 mas ganhou notoriedade durante o período dos direitos civis no final dos anos 60).

Na abertura da década seguinte e na mais prolífera do vermelho e preto, o ano de 1980 traria importância às vidas de Lins e Júnior.

Se os jogos do Flamengo,  transmitidos pela Rádio Globo, na voz marcante de Waldir Amaral, criador do “Galinho de Quintino” – que acompanha Zico até os dias de hoje – eram a única forma de acalmar o espevitado Lins, que dava trabalho aos seus pais com suas peraltices inimagináveis, Júnior sagrava-se campeão brasileiro pela primeira vez, em um Maracanã apinhado de 154.355 rubro-negros.

Ao assoprar o apito com veemência, decretando o fim da partida, o árbitro José de Assis Aragão tornaria aquele épico Flamengo 3 x 2 Atlético Mineiro, a primeira alegria a nível nacional de Lins como torcedor e de Júnior como jogador.

Talvez tenha sido e permanecido até hoje, a maior rivalidade de dois gigantes do futebol brasileiro, oriundos de estados diferentes.

Alguns anos passaram e em 1984, com 10 anos, Lins foi parar no Praia Clube, em Niterói, para ser lapidado pelo “professor”Jair Marinho (lateral-direito reserva de Djalma Santos, na Copa do Mundo do Chile, em 1962), que viu qualidades no menino franzino.

E Júnior, já consagrado com três Brasileiros, alguns Cariocas, uma Libertadores, um Mundial e a Copa do Mundo de 1982, como cereja do bolo de uma belíssima carreira, desembarcava na Itália.

O camisa 5 do Flamengo aceitou uma oferta do Torino-ITA de dois milhões de dólares para jogar no duro “Calcio Italiano”, com 30 anos e pensando no futuro,  pediu ao técnico Luigi Radice para ser deslocado ao meio de campo, a fim de se preservar mais fisicamente e pôr em prática sua visão de jogo privilegiada. 

Com um futebol envolvente, a idolatria ao craque ficou ainda maior perante os torcedores, principalmente após os casos de racismo e preconceito de “pseudotorcedores” rivais.

Na partida contra o Milan, no San Siro, Júnior foi alvo de xingamentos e cusparada e, contra o Juventus, foi vítima de faixas racistas.

À procura de um lugar ao sol em solo brasileiro por onde pisam pés apaixonados e sofridos pela bola, o zagueiro Lins enfrentou os obstáculos como qualquer garoto de sua idade.

Acabou, com muita determinação, percorrendo um árduo caminho nas andanças pelos clubes.

Vestiu camisas como a do Palmeiras de Niterói e do Caramujo, ambos pela categoria infantil e adquiriu experiência para alçar voos maiores.

E na terra do Coliseu, com uma cabelo mais moderado e um futebol cada vez mais encantador, Júnior desfilava seu talento nos gramados italianos.

Pelo Torino, clube fundado em 1906, enfrentava jogadores do quilate do francês Platini, do polonês Boniek e do italiano Paolo Rossi na Juventus; dos brasileiros Edinho e Zico na Udinese; dos brasileiros Alemão, Careca e do argentino Maradona no Napoli; do italiano Baresi e do trio holandês Rijkaard, Gullit e Van Basten no Milan; do brasileiro Falcão e do italiano Conti no Roma; do brasileiro Cerezo e do italiano Vialli no Sampdoria; do trio alemão Matthäus, Klinsmann e Rummenigge no Internazionale e mesmo assim, se tornou em 1985 o melhor jogador do Campeonato Italiano.


O ex-camisa 5 do Flamengo já era considerado um “Maestro” pelos italianos.

E o Lins, no Campeonato Niteroiense, era eleito por três vezes como o melhor jogador, nos anos de 1986, 1987 e 1988, coincidentemente nos anos em que sagrava-se campeão.

Como se vibrassem com um título, os torcedores do Pescara – apesar de nunca terem visto seu clube dar uma volta olímpica – receberiam de braços abertos a nova contratação naquele 1987: Júnior.

Os desafios eram maiores e no segundo ano de clube, apesar de não ter conseguido ajudar a equipe a manter-se na primeira divisão, ele foi eleito o segundo melhor estrangeiro da Série A, ficando à frente de grandes jogadores.

Nada mal para um jogador prestes a completar 35 anos e jogando em uma equipe modesta.

No entanto, em 1989, Júnior resolveu atender a um pedido de seu filho Rodrigo, então com 4 anos à época, de voltar ao Brasil.

O menino, que sonhava vê-lo jogando no Maracanã com o manto rubro-negro, havia cansado de ver no vídeo-cassete, as fitas VHS com os gols do Zico pelo Flamengo, que o “Galinho” mandava para o garoto ver.

Mesmo assim, reconhecendo sua importância para o clube da cidade de Pescara em Abruzzo, em sua despedida do futebol italiano, recebeu uma bela homenagem: uma partida entre as seleções de Brasil e Itália, revivendo a “Tragédia do Sarriá”, em gramado italiano dessa vez.

No mesmo ano, Lins ia escrevendo sua história com destaque nas categorias mirim e infantil do Flamengo, levado por seu Moacyr nas peneiras (testes nas escolinhas de futebol dos clubes) no Fundão e Cocotá na Ilha do Governador, em Jacarepaguá e por fim na Gávea.

Ficou apenas um ano no Flamengo, seu clube de coração e divagou como uma estrela solitária em busca de se firmar no cenário futebolístico, indo parar no Botafogo, onde ficou apenas três meses.

Muitos reconheciam seu futebol e foi parar no Olaria a convite de um amigo.

Percorreu o Brasil, jogando no Estrela do Norte Futebol Clube (ES), Paraná Clube (PR) e chegou a jogar na cidade espanhola de Las Palmas de Gran Canaria, no time do Unión Deportiva Las Palmas, após uma excursão bem sucedida do clube suburbano.

Mesmo sendo um nômade da bola, esperou um dia realizar dois sonhos: enfrentar o Flamengo e Júnior.

Os anos 90 surgiam no horizonte e tanto Lins quanto Júnior trilharam caminhos opostos nas carreiras.

Se Lins buscava sua profissionalização, sendo destaque no Olaria Atlético Clube, o “Maestro”Júnior (apelido recebido pelo fino trato à bola nos anos em que jogou no competitivo futebol italiano) conquistava títulos importantes como o da Copa do Brasil em 1990, o Campeonato Carioca em 1991, vencendo o Fluminense com uma exibição inesquecível e o Campeonato Brasileiro de 1992, disputado no primeiro semestre do ano.

Aliás, foi o único remanescente da década de 80 a conquistar o quinto brasileiro de sua história.

Portanto, ganhar o Campeonato Carioca de 1992, seria para o “Vovô” Júnior encerrar a carreira com chave de ouro, conforme ditado popular.

Já o Campeonato Carioca daquele ano, seria para Lins – jovem zagueiro olariense – a oportunidade em ser relacionado para o banco em algum jogo, pelo professor Toninho Andrade.

E seu maior receio era não jogar contra o experiente jogador da camisa 5 rubro-negra, que estava com 38 anos e com a aposentadoria batendo à porta.

Com isso, naquela quinta-feira, 19 de novembro de 1992, o Flamengo enfrentaria o Olaria, no Estádio da Gávea.

Para Lins, além de querer ser promovido aos profissionais – até a véspera daquele jogo era juniores – o que ele mais queria era estar perto do seu ídolo e viver aquela atmosfera.

Lembrou das suas lutas e do quanto batalhou para estar ali, pisando no gramado onde seu ídolo deu seus primeiros chutes.

Foi escalado sim, não na sua posição de origem mas de cabeça de área. 

Por instantes, segurou o choro ao lembrar das coisas que teve que abdicar para seguir na carreira.

Ao entrar em campo, sentiu um frio na barriga ao ver os jogadores do Flamengo, um a um, pisando no palco verde da Gávea.

Ainda meio disperso, viu com exatidão, o momento em que um enxame de repórteres entrevistava o recordista de partidas oficiais pelo Flamengo, com 876 jogos.

Enquanto seus companheiros do celeste suburbano batiam bola e aqueciam para o jogo, Lins não tirava os olhos da direção dos jornalistas.

Não havia tática e tampouco meios de parar o talentoso craque da camisa 5.

Mas Lins queria era jogar bem e registrar tal momento para um dia poder dizer: “Eu joguei contra o Júnior”.

Porém, antes do árbitro Paulo Roberto Chaves chamar os capitães para o tradicional par ou ímpar, Lins se aproxima do idolo e pergunta sem jeito: “Seu Júnior, dá pro senhor tirar uma foto comigo?”

Com alguns fios prateados no tradicional bigode e nas laterais da cabeça, a lenda rubro-negra se aproximou e fez o registro.

Ele (Lins), não lembra quem bateu a foto e nem da partida em si, pois foi há 25 anos.

– Na verdade, naquele Flamengo x Olaria, eu me entreguei de corpo e alma àquela partida. Com 18 anos, recém-promovido aos profissionais, joguei em uma posição que não era a minha, pois era zagueiro e fui deslocado para cabeça de área e enfrentar um ídolo como o Júnior, não pode ser considerado normal. Mas joguei e tentei aprender um pouco mais, porque aquele ali, realmente foi um maestro. Não tenho como explicar em palavras o que senti jogando contra ele. Sinto até hoje que foi um presente de Deus, algo que jamais vou esquecer”, diz emocionado.

Naquele 1992, o Olaria fez um bom campeonato, terminando em sexto lugar com 14 pontos, à frente do América e Bangu, clubes tradicionais da cidade.

O Vasco foi campeão invicto do torneio – conseguindo ganhar com facilidade as Taças Guanabara e Rio, deixando o vice-campeonato para o Flamengo, em um empate por 1 a 1, em São Januário. 


A equipe cruzmaltina, conquistaria o 18° título de sua história, contra o Bangu, com duas rodadas de antecedência.

Se Júnior não conquistou o título carioca, coube ao jovem Lins, conquistar seu título particular: enfrentar o veterano jogador.

Depois disso, as carreiras tiveram choques de realidade: Júnior parou um ano depois e Lins parou em 1996.

O vitorioso jogador rubro-negro, virou observador técnico da seleção brasileira em 1994, técnico de futebol, diretor de futebol e comentarista esportivo da Rede Globo.

Já o promissor e talentoso zagueiro do Olaria, virou bancário, trabalhou em uma seguradora e há seis anos, virou taxista. E a unidade 14 da Táxi-Forte, por onde conduz clientes contando suas histórias do mundo ingrato da bola.

De tudo, sua única saudade é de seu Moacyr, que faleceu em 2015:

– Meu pai foi meu amigo, companheiro de todas as horas, que me acompanhava nas partidas, treinos e onde eu estivesse, ele estava junto”, diz emocionado.

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