Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

O SAUDOSO MARACA

13 / agosto / 2018

por Ricardo Dias


Eu vou ao Maracanã desde meus 13 anos. Ia sozinho, a pé, naqueles tempos com menos assaltos. Algumas vezes com meu pai. Sozinho, dependendo das finanças, ia de geral (de pé…). Com meu pai, arquibancada.

Numa tarde gloriosa, ganhamos ingresso para a tribuna. Ah, a vida no Olimpo! Nada de subir a rampa com a ralé, a gente entrava pela garagem e subia de elevador. E ao abrir a porta, nunca vou esquecer: esperava sair em algum hall, e saímos direto de cara para o campo! Aquele gigante de cimento, assustador, que intimidava…

Agora a gente entra e acha que está num shopping center. A visibilidade do campo é boa, de fato, mas é uma arena como qualquer outra. Sem alma. A gente entra e não fica sem ar. Havia eventos, como a chegada do Papai Noel. Jogos dos dentes de leite (times infantis), Fla x Flu, Vasco x Bota, atrações musicais de fina categoria, tentaram repetir no final dos anos 80 mas o mundo era outro.

Havia o Torneio Início, uma série de jogos com todos os participantes do campeonato disputando partidas de, acho, 15 minutos, em caso de empate decidido pelo número de corners. Cachorro quente com suco de laranja do Geneal, torcidas até agressivas, mas com gente descontrolada, não psicopatas assassinos. O placar era pequeno, os times eram identificados pelas iniciais. E no campo, craques, muitos craques.


A Máquina Tricolor, por exemplo: fora goleiro (categoria que se divide em antes e depois de Valdir de Morais, profissional que mudou tudo na posição), nenhum jogador em atividade no Brasil hoje teria vaga naquele time. E mesmo da seleção brasileira pouca gente entraria. Aquilo tudo merecia um palco espetacular, e o velho Maraca era assim. E arquibancadas de cimento, pesadas, sólidas.

Eu era magro, consequentemente sem bunda, e tinha uma almofada quadrada, dobrável e com alça. Em jogos menos cheios, dava até para deitar, aí a almofada virava travesseiro. A gente podia transitar por toda a área da arquibancada, então em jogo de uma só torcida ia todo mundo para atrás do gol. E isso gerou problemas.

Acho que já contei aqui, conto de novo. Quando havia rodada dupla, eu ia sozinho, assistia à preliminar, meu pai chegava e assistíamos ao jogo do Flu – ou, como estava no placar, FFC. Mas isso foi num domingo, FFC X BFR, e nós sempre fomos muito frios, muito na nossa. Então sempre íamos assistir ao jogo atrás do gol do adversário, mesmo que a torcida dele estivesse lá. E foi o caso. Ficamos no meio da torcida do Botafogo. E o Fluminense fez um gol. Pela primeira e única vez na vida, meu pai pulou. Aquele mar alvinegro sentado e aquele sujeito de pé, com o braço levantado. 50 mil pessoas felizes pulando à nossa frente, e 50 mil zangadas à nossa volta, todos esses olhando para meu pai, de pé.

Ele, com o raciocínio rápido mas com nenhum talento para as artes cênicas, olhou para um lado, olhou para o outro, num fio de voz, apontou para o goleiro e, sem nenhuma expressividade, disse:

– Frango. Frangueiro! – num tom de quem diz as horas e sentou-se de novo.

Fosse hoje, teríamos sido esquartejados, nossos pedaços espalhados pelas ruas e nossos descendentes declarados malditos. Em alguns minutos achamos melhor não abusar da sorte e sair de lá. Ao chegarmos no anel externo, ele quis ir ao banheiro. O primeiro estava fechado. Entrou no segundo. Enquanto ele entrava, eu pensava: “ué, os banheiros são alternados. Homem, mulher, homem… Aquele deveria ser femin…”. Não acabei o raciocínio, meu pai saiu correndo, expulso pelas mulheres.


Aquele estádio tinha outra particularidade: ninguém sabia quantas pessoas cabiam ou quantas estavam no estádio, os ingressos eram produzidos de uma forma meio descuidada. Inocentemente, é claro! Então em jogos da seleção era um desespero, uma confusão terrível.

Fui num Brasil X Argentina em que devia haver uns 2 milhões de espectadores. E aquele foi um dia especialmente azarado. Não lembro o resultado, mas o estádio estava muito cheio. Tive que ficar de pé. No último degrau da arquibancada. Outro azar, estava um aperto danado. A falta de sorte seguinte é que sou alto, mas um sujeito um pouco mais alto ficou atrás de mim, colado. Usava barba farta. Bem no meu pescoço. E, como cereja do bolo, tinha algum problema respiratório, tipo asma ou rinite, e ficava arfando um bafo quente no meu ouvido. Ali eu tive certeza – embora nunca tivesse tido dúvidas, bem entendido – da minha heterossexualidade. Mas se o cara tivesse um drops no bolso da frente da calça ia ter briga.

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *