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O DIA DE LAVAR A ALMA DE VERDE E A NOITE MAIS LINDA DO MUNDO

3 / dezembro / 2018

por Marcelo Mendez

Era um dia frio em São Paulo.

Aos meus 23 anos de idade, já sem muita inocência, nada de pueril em mim, um homem que é santo sem abrir mão de seus pequenos pecados, de suas tantas heresias, de suas paixões avassaladoras que tantas madrugadas lhe custava.

Esse era eu, naquele 12 de junho de 1993. Um sábado pela manhã que acordei triste, mas que por conta de uma trajetória de fé, de vida toda, precisei trocá-la por uma ansiedade. Coisas da vida. Eu tinha um namoro capengante com Cecília, por culpa de todas as minhas cagadas, uma relação que beijou o vento do precipício, um domingo antes, no dia 06 de junho.


Pela primeira partida da final do Paulistão de 93 o Palmeiras perdeu para o Corinthians por 1×0, gol do Viola. Na comemoração, ele abaixou, imitou um porco, tirou sua onda e novamente os fantasmas todos na cuca, novamente a volta do trio, Eu, Meu Pai, Tio Bida, tristes, solitários nas emoções, sem ter o que fazer da vida.

Pedi pro Tio me deixar na casa dela. Cheguei, entrei, ele ouvia uma musica de uma banda inglesa, daquelas que num tinha saco pra ouvir; Inspiral Carpets. Entrei acabado e ela falou:

– Sério mesmo? Você tá assim por conta dessa porcaria desse jogo? Você, cara culto, bem informado, sujeito inteligente… Por causa de um jogo??

Foi o fim:

– O que? O que você tá me falando? Cê tá comigo há um ano e meio, sabe de mim, da minha história, do que eu sinto, do que eu sei… Porra; Olha pra minha cara, caralho! Você acha que se fosse só isso aí que você está dizendo, eu estaria assim, desse jeito?

A discussão foi grande demais para o relato. Basta saber que saí de lá com dois discos do Lou Reed, um livro do Paul Verlaine fui pra casa lamber minhas feridas.

Assim o fiz a semana toda, a pior semana para ser Palmeirense. Muita tiração, muita onda dos outros times, muita duvida. A semana de 06 até 12 de Junho de 1993 parece ter durado 20 séculos. Mas passou.

A manhã se inicia em 12 de junho. Naquelas primeiras horas, tudo era tão somente, incerto…


Sábado, 07h30min da manhã:

Meu pai me acordou com umas batidas na porta.

Sábado, 07h30min da manhã:

Meu pai me acordou com umas batidas na porta.

Sábado, 07h30min da manhã:

Meu pai me acordou com umas batidas na porta.

Na noite anterior, eu enchi a cara de campary, de dor de amor e de tudo para ver se conseguia dormir. Desmaiei. Mas quando o Velho me acordou eu nem tive tempo de ter ressaca:

– Toma (Me falou esticando meu ingresso em minha direção) Dessa vez a gente não vai junto.

– Como assim, Pai? Ta maluco? Vamo como sempre fomos já falei com Tio Bida…

– Não. Olha, filho, você me conhece, sabe que num acredito nessas coisas, mas não é possível, deve ser a gente. Dessa vez, vamos separados para não dar azar!

– Mas, Pai, isso é ridículo!

– Vindo o título, que seja assim ridículo!

Sem muito poder argumentar, meio que topei a coisa. Peguei meu ingresso da numerada inferior, com a promessa de por lá, não ver o jogo ao lado de meu Pai e meu Tio. Era uma agonia enorme, de um dia que não passava, de um tormento que insistia em existir. Mas mudaria.

Dessa vez, seria diferente.

Foda-se a Combinação!

Eu não quis sofrer com a espera do jogo.

Meti o fone de ouvido do Walkman, com uma fita cassete do Lou Reed no ouvido e entrei num transe que acabou quando a bola rolou. Que acabou quando o Antonio Carlos ganhou uma dividida com o Neto, que quase gritou gol numa jogada de fundo que o Edmundo não concluiu bem. Que viu o paraíso…

Quando a perna direita do canhotíssimo Zinho meteu a bola para o fundo das redes, eu fui feliz como poucas vezes na vida. Era um peso que saía das costas, uma perspectiva de felicidade no caminho, que carreguei ao longo do jogo que acabou 3×0.

Faltava apenas um empate na prorrogação para o Palmeiras ser campeão.

Ser campeão…

Edmundo sofreu um pênalti que ele não queria sofrer. Tentou ficar de pé de todas as formas, mas não deu. O zagueiro Ricardo o levou ao chão. Agora era vez e Evair, o nosso matador Evair fazer o que ele sempre fez muito bem. Na hora, pensei:

– Vai dar errado!

Sim. Eu era do Palmeiras que perdia para o Bragantino, Pra Inter de Limeira, pro Xv de Jaú, pra Ferroviária. Eu era parte daquele Palmeiras que nasceu para não dar certo. Tudo aquilo de bom não era pra mim. Abaixei a cabeça e sentei. Eu não queria ver, num queria sofrer de novo, até que no meio daquilo tudo, senti alguém me batendo no ombro. Levantei a cabeça e vi:

– Pai!


– Pênalti pra nós, filho!

– Mas a gente num tinha combinado…

– Foda-se a combinação! Agora é hora da gente ser feliz!

– Tá, mas eu num quero ver…

– O que? Depois de tudo que a gente passou, depois das tantas vezes que saímos daqui tristes, você não vai querer ver o Palmeiras ser campeão?

– Vai bater!!!

Era meu Tio Bida que também havia chegado, avisando a gente.

Naquele momento, Evair começou a corrida em direção a bola a impressão que tínhamos é que aquela corrida havia começado em 1976 e que ao chegar na bola, aí sim, em 1993.

“GOOOOOOOOOOOOOOOLLLLL” o barulho em uníssono de uma torcida que cantava e vibrava pra valer. Um grito que eu não ajudei, não participei.

Na hora que Evair balançou a rede do goleiro Wilson, ao invés de gritar gol, eu abracei meu pai. Abracei Seu Mauro com força, com um choro que veio da alma, pra descarregar tudo aquilo que tava me doendo desde sempre. Tio Bida abraçou a gente e assim a gente comemorou aquele gol.

Depois dele, eu só chorei. Chorei até o fim do jogo, mas um choro de emoção pura, alegre, feliz.

O Palmeiras é campeão!

Como era gostoso gritar aquilo! Como foi boa aquela noite. Posso dizer seguramente que uma das maiores alegrias da minha vida.

Ao longo dos tempos tive outras, tantas outras. Mas peço licença a estas outras pra eleger o 12 de junho de 1993 como a noite mais importante da minha vida. Por conta de tudo, e por conta de algo que faltava:

Tendo a Lua…

Madrugada alta, 04h40min e eu bêbado na frente da casa da Cecilia:

– Ceciliaaaaaaa!!! – a luz se acendeu, a mãe dela me chamou pra dentro, mas não quis. Eu queria a rua e mundo todo para mim. Cecilia entendeu e saiu:

– Oi, Marcelo, que foi? – perguntou com um riso na cara:

– Cecília, olha só. Eu te amo. Não mais que o Palmeiras, claro. Mas te amo. Então cê me perdoa e fica comigo? Prometo nunca mais fazer merda!

– Marcelo, você ta bêbado…

– Claro que sim, caralho, o Palmeiras foi campeão! Que mundo cê vive?

– Um outro, bem diferente desse seu.

– Então deixa eu ser o ET da sua vida!

Ela gargalhou nessa hora e eu aproveitei:

– Para de brigar comigo e me amaaa. Beija eu, Ceciliaaaaaaaa!

Ela me abraçou rindo.

Bom, o que aconteceu depois disso importa sim, mas não pra esse momento. Não nos casamos, não ficamos juntos, somos grandes amigos até hoje, mas nada disso importa como falei.

Abraçados entramos na casa da Cecília. Assim ficamos. Os Paralamas do Sucesso cantavam “Tendo a Lua” no cd player e pronto.

A maior noite da minha vida em 1993…

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