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GOLAÇO DO MESTRE

12 / agosto / 2018

por Mateus Ribeiro


Eu me lembro como se fosse ontem, do dia que eu queria ver uma partida de futebol, e o senhor me levou até o clube da cidade para que eu pudesse assistir. Até aquele dia, eu não gostava de futebol, e nem eu entendia o motivo de eu chorar tanto para tentar ver uma exibição de algo que até o dia anterior eu não era fã.

Eu me lembro como se fosse hoje, de ver um rapaz jogando, e o senhor comentando com algumas pessoas no alambrado que “…o beque era bom”. Obviamente, fui perguntar o que era um beque, e assim que minha dúvida foi sanada, tratei de perguntar o nome e a função de todos os jogadores presentes no gramado.

Eu ainda me recordo com muita clareza de uma vez que fomos visitar o Vô Jorge. O nosso mestre já estava bem velhinho, e eu queria dividir com ele o mundo mágico do futebol que eu estava descobrindo. Perguntei para o Vô se ele ainda assistia futebol. A resposta? “Eu gostava mesmo na época do Nilton Santos…”.

Eu me lembro do amor do senhor pelo Santos, e como o senhor detestava o Corinthians.

Eu ainda me lembro, e o senhor deve ter uma mágoa gigantesca, do dia que escolhi o Corinthians (na verdade, o Corinthians me escolheu) para torcer, e todos os esforços que o senhor fez para tentar me fazer ser são paulino (pelo vô) ou santista (por razões óbvias) foram em vão.

Eu me lembro, e sou muito grato pelo dia que fui apresentado ao futebol no rádio. Nossos domingos, quartas, sábados e quaisquer outros dias eram extremamente felizes. Demos muita risada, discutimos, choramos… tudo era um caminhão de emoções. E nem precisávamos de muito. Bastavam o rádio e o senhor. Meu mundo estava ali. Meu mundo e nada mais.

Agora, vamos colocar essa máquina do tempo um pouco mais pra frente.

Eu me lembro claramente de nossos sábados repletos de jogos de todo e qualquer campeonato do mundo. Naqueles dias de dificuldade, quando o senhor ficava em uma cama, o futebol era uma das poucas alegrias existentes. E eu me sinto muito honrado de poder dividir esses momentos mágicos.

Um desses momentos foi quando Van Persie empatou o jogo com a Espanha, pela Copa. E depois, no final, quando Robben deixa a zaga e a defesa adversária no chão, o seu sorriso de satisfação foi o complemento da obra.

E o que dizer do dia que o senhor chamou minha mãe para falar que “…gostava de assistir futebol comigo pois um dia eu aprendi, e agora eu ensinava”? Desnecessário eu afirmar que esse foi o maior momento da minha vida. E nada NUNCA vai chegar perto desse momento.

Infelizmente, tenho algumas lembranças amargas também. Como no fatídico 01/10, quando horas após o seu enterro, liguei a tv para ver uma partida de futebol. Quem estava jogando? O Santos. Olhei pra um lado, pro outro, e vi que as coisas já não eram iguais. Praticamente desisti de acompanhar tudo.

Mas ah, se o senhor ficasse sabendo que eu estava sendo covarde, iria me dar uma chamada digna do Zito chamando a atenção do Pelé. E resolvi reunir todos os ensinamentos aprendidos (inúmeros, incontáveis), juntar os cacos, e comecei a colocar pra fora tudo o que eu guardei dentro de mim por longas décadas.

O resultado tá aqui. Esse texto é um dos meus trabalhos aqui no Museu, um lugar que me abriu as portas, e que o senhor adoraria conhecer, e ouvir as historias. Talvez, esteja acompanhando por aí, no Estádio dos Imortais. Um dia eu apareço aí pra gente bater um papo e dar risada dos caneludos que sobraram por aqui. Mas eu espero que esse dia demore bastante.


Enquanto esse dia não chega, fica o meu recado para todos vocês: aproveitem cada momento ao lado dos seus pais. Abracem, chorem, curtam, pois a vida é breve, e infelizmente, não é um jogo do Manchester United na época do Alex Ferguson, portanto, não há acréscimos.

Hoje, quase trinta anos depois de assistir a primeira partida, eu entendo o motivo de ter pedido tanto para assistir a um jogo: era um chamado dos deuses do futebol para que nosso laço fosse eterno e inquebrável.

Com amor, de Mateus Roberto da Silva Ribeiro para Carlos Ribeiro.

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