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ENCONTRO DE FERAS

23 / outubro / 2016

por Claudio Lovato

Estamos no Centro Comunitário de Capoeiras, um dos bairros da parte continental de Florianópolis. É uma noite fria de setembro, 15 graus, e há um vento cortante. A bola rola no jogo entre dois times de veteranos. Todos com mais de 50 anos, com exceção de três em cada time, que podem ter, no mínimo, 45. As dimensões do campo chamam a atenção da equipe do Museu da Pelada, sobretudo a largura dele.

– Tem 100 por 70! – diz João Carlos da Silva, 64 anos, idealizador e organizador do torneio que reúne 10 times com jogadores acima dos 50 anos.

João Carlos da Silva já foi um dia o nome pelo qual era conhecido Balduíno, craque com passagens marcantes por Avaí, Joinville, Figueirense e Grêmio nos anos 70 e 80. 

– Quem sabe jogar prefere campo mais largo, porque dá para inverter a jogada, recomeçar…

– É uma fazenda! – comenta o repórter do Museu.

– Tem que voltar de táxi! – diz, rindo, Renato Luís de Sá Filho, o Renato Sá, 61 anos, quebrador de recordes (dolorosas recordações para torcedores do Botafogo e do Flamengo), ponta-esquerda habilidoso e de fôlego interminável que brilhou no Avaí, Grêmio, Botafogo, Vasco da Gama, Atlético Mineiro e Atlético Paranaense.

Paulo Cézar Caju também está presente, novo morador da Ilha de Santa Catarina que é, aos 67 anos.

PC, Balduíno e Renato Sá jogaram juntos no Grêmio. Renato havia chegado em 1978; PC, alguns meses depois, naquele mesmo ano; e Balduíno em 1980.

– Fotografa aqui a meiuca do Grêmio – diria PC ao fotógrafo, no encerramento da entrevista para o Museu.

PC sempre foi fã do futebol de Balduíno, meia-armador de alta habilidade e baixa estatura: 1,60m.

– Em alguns lugares, hoje em dia, se o garoto não tiver pelo menos 1,75m, é barrado na base – lamenta Balduíno.

E PC começa a recitar um poema:

– Eduzinho Coimbra, Zé Carlos, Joãozinho, Afonsinho… Maradona!

Os baixinhos.

Balduíno não se contém:

– Zico!

– Jurandir, lembra dele? – PC pergunta ao repórter do Museu.

– Claro! – responde o repórter, gremista.

– Em 1979, num Gre-Nal no Beira-Rio, dissemos ao Fantoni que o Jurandir tinha que marcar o Falcão…

O repórter, hoje cinquentão,  estava lá  na arquibanaca, naquele 13 de maio de 1979. Decisão do ponto extra do Gauchão. Aquele Gre-Nal ficou famoso por ter sido o jogo em que o pequenino Jurandir, ponta-esquerda que recuava para ajudar na marcação, não deixou Falcão tocar na bola. Falcão mal conseguiu respirar. PC não jogou, porque estava lesionado. No final, zero a zero, Grêmio com o ponto extra e o título de 1979 encaminhado.

– Eu era folgado! – diz Balduíno, recordista de participações no clássico Figueirense x Avaí: 75 jogos (39 pelo Avaí e 36 pelo Figueirense).

– Uma vez, pelo Campeonato Brasileiro, num jogo aquí em Florianópolis, o Figueroa tentou me dar uma cotovelada. Só não acertou porque eu sou baixinho. Pegou de raspão, na testa. Eu deixei passar um tempo e dei um soco na barriga dele. Ele correu atrás de mim, mas eu consegui fugir!

Boas lembranças.

– O Fantoni só me chamava de ‘Roberto Sá – conta Renato. 

Renato Sá, que sabia jogar, e muito, olha para o campo e relembra de uma dessas bolas longas, bem invertidas, que fazem Balduíno gostar de gramados grandes.

– Tem que ter força no chute. Como o Paulo Roberto…

Renato está falando sobre o lance que resultou no gol do Grêmio contra o São Paulo, no Morumbi, na decisão do Campeonato Brasileiro de 1981. O lateral-direito Paulo Roberto recebeu lá na linha divisória, olhou para a grande área do São Paulo e mandou a bola para a Renato Sá. Ela veio alta e forte.

– Num lance assim, o mais difícil é achar o tempo certo para saltar! – diz Renato.

– Não pode pular antes nem depois.

Renato saltou no tempo certo. De sua cabeça saiu o passe para Baltazar, o Artilheiro de Deus, que matou a bola no peito e, antes que ela tocasse no gramado, emendou um chute maravilhoso, bola no ângulo esquerdo de Valdir Perez. Grêmio campeão brasileiro pela primeira vez.

– Naquele jogo, entrei no lugar do China, centromédio. O Ênio [o grande técnico Ênio Andrade] me disse: ‘Vamos fazer uma correria ali no meio, é a nossa única chance”.

Lembranças especiais, coisa que não tem preço.

– Monsieur Paulô Cezár! – alguém grita do alambrado, bem atrás de onde está PC.

– Chevalier! – PC responde. 

E nós vamos para o local, pertinho do gramado, onde o fotógrafo e o cinegrafista do Museu da Pelada montaram o set para a gravação da entrevista. Histórias engraçadas? Tem. Lembranças bonitas? Tem também. Mas também tem muita reflexão séria e algumas críticas, porque essas feras têm muito o que dizer. E disseram.  

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