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DOIS CHICOS E UMA BATALHA EM ROSÁRIO

1 / março / 2018

por Marcelo Mendez

“A gente faz hora, faz fila na vila do meio dia
Pra ver Maria
A gente almoça e só se coça e se roça e só se vicia
A porta dela não tem tramela
A janela é sem gelosia
 
Nem desconfia
Ai, a primeira festa, a primeira fresta,
o primeiro amor”

 
 
O primeiro Chico
 
Era comum nas manhãs de domingo, a gente acordar cedo na casa da Tia Leonir com a prima ouvindo música. Embora já morando na Rua Tanger, eu vivia no quintal da Avenida das Nações e costumava ficar por lá de sábado para domingo. Levaria mais tempo para eu desgarrar dos primos, das primas e que barato era acordar com o rádio ligado, minha prima Miriam cantarolando as canções que tocavam.

Eu não sabia que esses versos eram da música Flor da Idade, mas já sabia que era de um cara de olho azul que tanto minhas primas, quanto minha mãe e também meu pai, adoravam. E o nome dele era Chico, Chico alguma coisa…


“Chico Buarque, Marcelo, já vai aprendendo…” – dizia a Miriam, quando eu perguntava, ao chegar na mesa de café da manhã. A música era linda, tinha um arranjo de cordas lindão, uma melodia bonita e no final tinha uma tal quadrilha que todo mundo amava. Achava muito delicado. Mas acordar ouvindo essa música foi a única coisa delicada daquele domingo. Meu primo mais velho, o Tine, tratou de avisar logo cedo, na hora do café.

– Caramba, hoje vai ser duro, gente. Vamos enfrentar os Argentinos lá na casa deles!

Foi dessa forma, em 1978, que eu descobri o que significava um Brasil x Argentina. Da melhor forma…
 
O segundo Chico:

Eu já estava me acostumando com essa tal coisa de Copa do Mundo tomar pra si todas as atenções. Mesmo aos 8 anos já dava para sacar que se tratava de algo muito importante para maioria dos brasileiros e em 1978 mais ainda.

Mas naquele domingo tava diferente.

Na hora do almoço nosso, a mesa cheia de gente, os garfos tilintando e só se falava do jogo, que diferente dos outros, seria à noite, atrapalhando o Fantástico e o programa do Silvio Santos, para protestos de minha mãe. A grita entre os tios era grande:

– Mas de que jeito vamos vencer esse jogo? Não tem Rivelino, não tem Zico, não tem Cerezo, não tem Reinaldo e esse maldito desse técnico não levou o Falcão! – reclamava Tio João, enquanto mordia uma coxa de frango.

– Calma, vai jogar o Chicão. Não vai passar nada! – tentava acalmar, Tio Marinho

– Ah, mas você ta louco, Marinho? Comparar o Falcão com esse tal Chicão! Faça-me um favor! – respondia meu Pai.

E a briga por conta dessa escalação fez parte de todo o dia de domingo. Enquanto as Tias faziam o rango da noite, as cervejas eram compradas os guaranás caçulinhas chegavam, eu ouvia todo mundo esculhambando a escalação do Chicão. Mas a hora do jogo finalmente chegou.

E só meu Tio Marinho, tinha razão…
 
Dentre os Chicos daquele domingo de 1978, o mais importante…


Eram oito da noite em ponto quando o jogo começou.

O clima em Rosário era bélico. Estádio pequeno, abarrotado, o jogo que era pra ser em Buenos Aires foi levado para lá e ao longo do dia, vi meus tios falando sobre isso, alegando que havia uma armação para tentar intimidar o time brasileiro.

Via televisão, eu pude ver toda a festa bonita do povo argentino. Achei lindo aquele monte de papel picado no campo e ao contrário da grande maioria, não sentia raiva deles. Alguma coisa de lá me aproximava daquele povo cabeludo, que eu ainda não sabia. Descobri depois…

A partida era dura.

Ouvi dizer que deveríamos tomar cuidado com um tal de Kempes, que o primo Zé Carlos me disse que era o camisa 10. Tio Zézinho me falou que tinha um outro muito maldoso, de nome Luque, que jogava com a 14. Fiquei atento, mas rapidamente vi que eles não seriam o problema.

Tínhamos o Chicão!


Na primeira bola do jogo, disputada entre o tal Kempes e o nosso Chicão, o camisa 21 do Brasil, jogou pro alto o cabeludo camisa 10, esparramando chuteira pra um lado, cabelo pro outro, tudo!

Na reclamação, o tal Luque, o outro, veio e o Chicão deu nele uma bifa e o encarou forte mesmo. O moço que Tio Zézinho disse ser bravo, não me pareceu tanto não.

A partir dalí, começava a se escrever uma das melhores histórias do super clássico das Américas. Chicão, o camisa 21 que ninguém queria, fez um risco imaginário na cabeça da área do time brasileiro e por ele não passou nada. O jogo, muito aquém do que todos esperavam, acabou 0x0 com poucas chances pra ambos os lados. Mas o destaque daquele dia foi o Chicão:

– Eu falei pra vocês que com o Chicão argentino nenhum ia se crescer, não falei? – Reivindicava Tio Marinho:

– Grandes coisas, Marinho. Agora com esse 0x0 vamos ter que depender de outros resultados! – retrucava meu pai.


– Ta bom, Mauro. Mas que o Chicão jogou demais, ah jogou!

Eu não sabia dizer naquela altura da minha vida de menino se o Chicão havia jogado muito, ou pouco. Mas daquele domingo, saí com uma certeza:

Entre o Chico que começou o dia e o Chico que terminou, o segundo que veio com tardar da noite foi muito mais importante…

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