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BROWN

29 / julho / 2019

por Marcos Vinicius


Na Comunidade da Cruzada de São Sebastião, um pé negro era destaque no cimento áspero daquele lugar pobre em recursos físicos mas rico em material humano: Adílio.

Garimpado pela insurgência da vida e revelado por seu Dominguinhos – ex-atacante do Flamengo na década de 1950 que jogou com Carlinhos Violino e Gérson -, jogar futebol era uma arte que poucos como ele sabiam fazer.

Não satisfeito, O Neguinho Bom de Bola – como seria chamado pelo radialista Waldir Amaral anos mais tarde – batia uma bolinha de vez em quando na Favela da Praia do Pinto, onde travava duelos inesquecíveis com um tal Júlio César, antes da bola rolar um anjo e com ela rolando se transformava em Lúcifer personificado em seus dribles.

Adílio chegou à Gávea em 1967 e, por ter um talento sobrenatural, fez história com a camisa rubro-negra.

Pelo Clube de Regatas do Flamengo, estreou em 1975 e ganhou absolutamente tudo.

Foi visto, vejam vocês, 615 vezes dentro de campo e seu brilho foi facilmente notado pelo jeito estoico de jogar.

Muitas das vezes, foi ação com a bola nos pés e produziu reação nos adversários, onde subentendemos que a famosa frase “toda ação gera uma reação” viesse daí.

Em algumas partidas, foi transpiração nas vitórias pelo mundo afora, empunhando a bandeira vermelha e preta nos territórios de grama verde mais inóspitos, onde todos eram sucessivamente sendo vencidos.

Não havia uma fórmula para vencer aquele Flamengo.

Havia sim, custe o que custar, a necessidade em parar alguns jogadores, o camisa 8 era um deles.

Fosse na bola – o que convenhamos, era difícil – ou na violência, como na pedrada desferida covardemente pelo zagueiro Mário Soto, que tirou sangue de seu rosto suado e áspero de quem queria apenas ser reconhecido como o maior das Américas, na decisão da Libertadores de 1981, no estádio Santiago, no Chile.

Vestir a camisa do Flamengo requer sacrifícios e Adílio deu seu sangue para que o triunfo fosse alcançado.

E conseguiu.


Atuou no Flamengo na primeira metade dos anos 1970 – quando imitava James Brown no versos de “Get up (get on up), Get up (get on up), Stay on the scene (get on up), Like a sex machine (get on up)”, e na coreografia presenciada às gargalhadas por Júnior, Luxemburgo, Geraldo, Manguito, Andrade, Zico e outros na concentração – a 1987, quando foi jogar no Coritiba, entregando sua camisa 8 para o jovem Aílton, que sagraria-se Campeão da Copa União.

Depois disso, não foi o mesmo, mas bastava, pois já havia escrito as seis letras de seu nome na história do clube.

Viu sua história de vida ser transformada em Adilio: Camisa 8 Da Naçao, livro escrito em 2013 por Renato Zanata e lançado no ano seguinte.

Sucesso, mas era pouco.

Se tornou o primeiro atleta que por mais tempo serviu ao Flamengo e não à toa é considerado um dos maiores camisas 8 do futebol brasileiro.

Para os flamenguistas, os saudosistas como eu, Adílio foi único.

Mas mesmo assim, era necessário mais.

Então, o semovente Sandro Rilho, responsável pelo “Projeto Bustos”, contratou o escultor Edu Santos, o mesmo que fez a estátua do inesquecível Maestro Junior, craque que mais vezes vestiu o Manto Sagrado.

Em seguida, foi a vez do inigualável Leandro, que só vestiu uma única camisa em sua vida profissional: a Rubro-Negra.

E agora o inquestionável Adílio, que inaugurou seu busto na sexta-feira, 26, na Gávea, numa merecida homenagem.

Adílio é funcionário do Flamengo e viaja o país com o Fla Master, onde continua encantador com a bola nos pés.

Viva a arte do futebol e seus verdadeiros artistas.

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