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AS MÃES DE HIPÓLITO

17 / janeiro / 2019

por Rubens Lemos


Em 1972, o ABC de Natal (RN) foi punido com dois anos de suspensão do Campeonato Brasileiro. Motivo: a escalação irregular do zagueiro Nilson Andrade, do lateral-esquerdo Rildo e do meia Marcílio na vitória sobre o Botafogo (RJ) por 2×1. O ABC acusou a federação que acusou a CBD.

Em 1973, passando uma banha, João Havelange conseguiu excursão alvinegra para a Europa e a África, que rendeu 102 dias longe de casa. Fama no exterior. O ABC chegou a empatar com a Romênia, de Dumitrache, que jogou duro contra o Brasil em 1970, na Copa do Mundo (3×2 para nós).

Pois bem, o ABC foi anistiado no início de 1974. Ficou o impasse. O ABC era tetracampeão e, tinha direito à vaga. O América havia representado o Rio Grande do Norte com brilho em 1973, conquistando a Taça Almir, melhor colocação entre clubes do Norte/Nordeste.

Fizeram um seletivo com três partidas: a primeira foi 0x0. Na segunda, vitória do América por 3×1. Na decisiva, ABC 2×1, jogo para a prorrogação, quando Davi, de cabeça, classificou o América para o Brasileirão/74. Vice outra vez no ano seguinte, ficaria de molho um semestre inteiro. Montou um expressinho. Chamado de Faz-Me-Rir, em alusão a uma melodia de dor de cotovelo dos anos 1960.

O zagueiro Hipólito, o ponta Aélio e um meia português barbudo, Luís Rodrigo, eram os ícones do timeco. Que juntava gente, porque abecedista nunca abandona seu time.

Hipólito, numa segunda-feira, aparece cabisbaixo na concentração em Morro Branco. Chama o supervisor Alberto Amorim:

– Seu Alberto, me arranje um vale. Minha mãe morreu e preciso mandar o dinheiro para Minas Gerais.

Comovido, Alberto Amorim providenciou a grana com a diretoria.

Um mês depois, Alberto Amorim adoece. Fica 15 dias longe do clube. Hipólito aborda o dirigente José Prudêncio Sobrinho, coração maior que o da torcida:

– Seu Pruda, estou em apuros. Minha mãe morreu. Preciso mandar um dinheiro para a Bahia. Me arrume um adiantamento.

Prudêncio tirou do próprio bolso o maço de notas e passou a Hipólito:

– Negão, gostei da sua sinceridade. E nem vai ser descontado o dinheiro.

Hipólito fez um singelo pedido a Pruda:

– Não fala pra ninguém, não. É assunto particular e o senhor sabe como é boleiro, gosta de mexer até em negócio de mãe.

O ABC vai disputar um jogo contra o Ferroviário, timeco do desportista Joãozinho Paiva, eterno secretário de esportes da cidade e conhecedor da psicologia da raça de chuteiras.

Hipólito está triste e o atacante Nilo, esperto, entra em seu quarto na concentração:

– Tô sabendo que você vai dar outro golpe nos “home”. Tu é famoso com essa história de mãe morta. Ela está vivinha da silva e eu vou trazer a velha aqui, para lhe desempregar. Quero o bicho dos próximos três jogos.

Ninguém entendia, só Nilo, a cena de vestiário depois das vitórias sobre três barangas: o Ferroviário, o Cosern e o Racing,do praiano bairro das Rocas. Hipólito, entregando o bicho, nota por nota, o dinheiro dos bichos recebidos logo após as partidas.

Hipólito apenas murmurava para o colega mais esperto:

– Filho da puta, filho da puta…

Nilo respondia:

– Posso até ser. Mas só de uma…

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