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A VÁRZEA E A VERDADE LÍRICA POSSÍVEL

28 / agosto / 2019

por Marcelo Mendez


“Ai, se eu pudesse/Fazer flores e estrelas/O mundo seria mais belo/O homem seria respeitado pelo homem/Ai se eu pudesse/Fazer flores e estrelas/Eu conquistaria você, moça…”

Decerto que quando Jorge Ben cantou isso em 1972 ele nem de longe pensava em futebol de várzea, mas para assuntos ludopédicos vindos do terrão a bela canção se faz muito pertinente para a crônica que virá. A razão do porque disso é quase que óbvia…

Todo sujeito que senta para escrever seus contos, poemas e crônicas pensa em mudar o mundo. Nada menos que isso. O Cronista ludopédico aqui não fugirá a essa premissa, portanto.

Afinal, por quantas vezes eu já não sentei para escrever pensando em fazer das duras caneladas dos campos de terra do ABCD, um relicário de flores e estrelas para entregar para vocês, caros leitores? Quantos sonhos de Proust já tive, ao imaginar que uma crônica de futebol de várzea rasgaria feito faca, a pele e o coração de vocês que me lêem?

E não se assustem com a forte imagem descrita no desejo exposto na frase última:

Desejos só podem ser válidos para vida, se conquistados através do furor apaixonado do gosto de sangue e corte.

Como o futebol de várzea.

Caro leitor que aqui me acompanha, lhe afirmo com todas as letras que um domingo de várzea jamais pode ser visto como um domingo qualquer. Por todas as forças que a experiência dessa prática reserva a quem curte esse universo, as coisas da bola de capotão sempre serão líricas. Nada menos que isso:

Líricas.

Vejamos esse último domingo meu…

Em um dia belo de céu azul e sol de um milhão de Saaras, acompanhei do pé do morrão o jogo entre DER de São Bernardo e Boa Vista de Diadema, válido por nada do vil metal meritocrático. Era um amistoso entre amigos que em meio a um mundo de ódio e caos e outros golpes, decidiram que iam tão somente se divertir. E ao redor do campo então, as cenas que mais me encantavam.

A cada criança, adulto, mulher, velhos ou novos que chegavam, vinha um sorriso de bom dia. A cordialidade do povo que sai de casa domingo pela manhã para ver um jogo de futebol de várzea é comovente. Em um mundo duro onde a irracionalidade tenta imperar, sinto que na beira do campo de futebol de várzea reside toda a poesia da resistência humana. Ali está a paz.

Segui andando e então reparei que do bar do campo dava pra ver o jogo. Fui até lá e o simpático, o dono do bar, me vendeu uma cerveja gelada e uma coxinha de frango deliciosa. Me ajeitei em um canto e passei a ver o jogo, ou a ver o que eu queria ver, não sei…

Enquanto o time do DER contava com a força de seus atacantes Max e Lipe para abrir um 3×0 no placar liberei meus pensamentos para imaginar que a alegria é possível e está muito mais perto do que pensamos.

Em um campo de terra simples, rodeado de amigos que se faz no minuto imediato que se retribui um sorriso, dividindo uma cerveja, vibrando por um gol seja ele de quem for, está a felicidade. Livre de amarras, de elitismos, de todo e qualquer tipo de ódio e segregação, afirmo que a várzea é a única chance que o cotidiano tem para ser belo.

E essa é a única verdade inexorável do futebol…

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