Escolha uma Página

A PARTIDA PERFEITA

por Zé Roberto Padilha

O Estádio Rei Pelé, em Maceió, é um daqueles templos sagrados do futebol brasileiro que foram inaugurados durante o “Milagre econômico ” da década de 70. Quando você está jogando por lá a laje fecha sobre você e te engole, como no Mineirão, canalizando o eco da torcida para perto de onde você vai bater o corner. Como no Serra Dourada, no antigo Olímpico e no Maracanã.

De lá, bem longe, entre Bahia e Pernambuco, numa quarta-feira à noite, durante o Campeonato Brasileiro de 1978, jogando pelo Santa Cruz, contra o CRB, guardo uma das mais marcantes lembranças e lições da minha carreira como atleta profissional de futebol.

Em 17 anos com carteira assinada, foi ali que exibi talvez a única atuação perfeita com a bola nos pés. Qual desportista, ator, médico ou engenheiro não se lembra do dia em que acertou tudo durante a prática do seu ofício?

Naquela noite iluminada, em que Júpiter deve ter se entendido com Netuno, as cartas e os Búzios conspiraram a meu favor, devo ter errado apenas dois das centenas de passes que realizamos em média durante as partidas. Jogadas de linha de fundo? Em três das seis tentativas deixei o lateral para trás e acertei o cruzamento na cabeça do Nunes. No outro, para um voleio do Betinho e, pra fechar o placar de 3×0, um cruzamento certeiro para um peixinho fatal de Luiz Fumanchú.

Durante essa abençoada partida não corria. Voava. E enquanto saboreava minha própria atuação, pensava: mas por que justo ali, longe da grande mídia, tendo como testemunha apenas a Rádio Clube de Pernambuco e da Gazeta de Alagoas? Por que não no Maracanã em um daqueles Fla x Flu que joguei?

Se tivesse iluminado daquele jeito defendendo camisas pesadas, de empregos anteriores, certamente seria convocado para a seleção. Como aprendi a não discutir com o destino, e ele quis que fosse ali meu dia de Rivelino, que tal tentar uma bomba de fora da área?

Juro, arrisquei e a bola passou raspando a trave.

É impressionante o que pode alcançar a mente, jogava e pensava, uma vez desobstruída das limitações cotidianas que nós mesmos nos impomos.

Terminada a partida, parti para o vestiário como um atleta olímpico que alcançara um recorde e se preparava para subir ao pódio. Passei pelo meu treinador, Evaristo Macedo, que disse:

– Valeu, garoto!

Mas como valeu se eu nunca havia atuado antes daquele jeito?

E fui encontrando pelo caminho repórter alagoano, narrador pernambucano, jogadores adversários e me trataram como quem tivesse jogado uma partida qualquer.

Mal sabiam que havia treinado muito, evitado noitadas, cigarros e bebidas alcoólicas para um dia atingir a perfeição. E quando chego próximo dela, ninguém foi capaz de reconhecer. E se o meu máximo não causou a mínima atenção, entrei no vestiário bem arrasado.

Não tinha medalha, pódio, hino nacional, um abraço apertado e, muito menos, um Motorádio me aguardando. E quando me dirigi a balança na qual seu Amauri, um simpático funcionário do Santa Cruz, nos pesava, antes e depois das partidas, após conferir o que tinha perdido, ele me confidenciou baixinho:

– Que atuação, hein, Zé Roberto. Hoje, você foi perfeito!

Que alívio senti naquele instante. Não fiquei prosa ou mascarado, apenas feliz. E aliviado. Afinal, de que valeria a busca pela perfeição, em qualquer profissão, se quando a alcançamos, nem que seja por apenas 90 minutos, ninguém for capaz de perceber seu esforço e obstinação?

Depois dessa partida, até 1985, quando encerrei minha carreira no Bonsucesso, continuei a ser o Zé Roberto de sempre. Aplicado e determinado, nunca mais o Zico, um Rivelino, um Gerson, mestres que me concederam aulas com chuteiras ao meu lado.

Mas foi com seu Amauri que aprendi uma nova lição. E adotei um novo hábito.

Sempre que assisto de perto uma performance acima da média, e que me encante, faço questão de esperar o final da partida, da peça de teatro, do show do rapaz que fez o papel de Michael Jackson no Vivo Rio para lhe dar um abraço.

Só eu sei o que foi preciso para conseguir ser um dia perfeito no que fazia. E jamais me esqueci como a indiferença e o descaso são capazes de nos abater minutos depois de tal conquista.

MEMÓRIAS DO TORNEIO DOS CAMPEÕES EM 1982

por Paulo-Roberto Andel

Olha, eu gosto muito de futebol, muito mesmo. Gosto de jogar e de ver. Ir ao Maracanã é uma coisa muito boa, e está mais fácil porque meus pais agora me deixam vir sozinho, inclusive à noite. Só o passeio já valeria a pena: eu pego o 434 na Figueiredo Magalhães e faço uma viagem pelo Rio. É um percurso muito bonito que serve de roteiro turístico pela zona sul do Rio, o Centro e, logo depois, Praça da Bandeira e São Cristóvão até chegar ao maior estádio do mundo.

Praticamente todo o meu dinheiro eu gasto com futebol. Também não tenho muito, é a mesada que meu pai me dá. E também vou ao cinema. Só que o futebol é sagrado. Para poder ir a mais jogos, eu vou de geral que é bem mais barato, quase o preço da passagem de ônibus. Se estiver com tempo de chuva, aí a geral é certa, porque você aguenta o primeiro tempo e, no intervalo, o pessoal da Suderj abre uma escada que vai até a arquibancada.

Eu sou Fluminense desde que nasci, gosto demais do Fluzão, mas venho ver jogos de outros times. Já assisti Vasco, Botafogo, Flamengo, America e Bangu.

Não sei por que, mas uma coisa que eu gosto muito é de chegar ao Maracanã ainda vazio, bem silencioso. Esse silêncio me faz muito bem, é como se acalmasse tudo. Gosto de ver o campo, bem verdinho, mesmo quando tem alguns defeitos. Ah, e eu gosto também de me deitar na geral vazia e ficar olhando o céu. A cobertura de concreto do Maracanã faz o desenho de um círculo, o céu parece um disco voador, é muito bonito. Claro que o estádio cheio é maravilhoso também, mas eu gosto dele deserto. É um jeito diferente de ver.

Outra coisa ótima da geral: a gente pode jogar bola antes do jogo. Outro dia teve Vasco e Botafogo, então viemos com uns amigos da escola. A gente marcou o golzinho e ficou três para cada lado. Tinha o Luiz Cláudio, que é Flamengo, o Bolaman também. O Chico, vascaíno. Não me lembro se tínhamos um botafoguense na trupe. Nossa bola oficial, a Dente de Leite. Acho que foi num sábado à tarde.

Foi uma ótima ideia fazerem o Torneio dos Campeões. Vários jogos excelentes, tem Maracanã quase todo dia. Logo mais eu vou de novo pra ver Vasco e São Paulo. Sempre alguém me pergunta por que eu vou numa partida que não tem o meu time. É que futebol é bom demais. Só de subir a rampa e passar pelo tunelzinho da arquibancada, já é uma emoção enorme.

O Maracanã é grande, é gigante. Espero poder acompanhar o futebol pelo resto da vida. Toda vez que vou ao jogo, é como se eu continuasse um sonho que nunca termina. Há pouco, o Fluminense quase foi campeão brasileiro, mas deixamos escapar a vaga pro Grêmio de virada. Foi um jogão. Perdemos, paciência. A coisa não está fácil para o Flu, mas espero que em breve a gente tenha um time que possa ser campeão. Eu tenho fé que isso vai acontecer.

AS FINAIS DO CAMPEONATO BRASILEIRO DE 2000

por Luis Filipe Chateaubriand

No ano de 2000, o Campeonato Brasileiro foi substituído pela Copa João Havelange, devido a confusões que levaram o certame a ser jogado por centenas de clubes – eu chamava a competição de “Copa Centopeia – O Monstro de 116 Patas” – com esses clubes divididos em módulos.

Nas semifinais da competição, o Vasco da Gama suplantou o Cruzeiro e, com seu timaço espetacular, foi às finais.

Já o São Caetano, fenômeno da época, suplantou o Grêmio nas semifinais e, surpreendentemente, se classificou às finais.

Eis que Vasco da Gama X São Caetano foi uma final que não se esperava.

O primeiro jogo das finais foi realizado no Estádio Palestra Itália, em São Paulo, com mando de campo para o São Caetano.

O jogo terminou empatado em 1 x 1, com o primeiro gol para o São Caetano de César e o empate vascaíno com gol de Romário – ambos no primeiro tempo.

O segundo jogo das finais, no Estádio de São Januário, com mando de campo para o Vasco da Gama, não foi concluído, uma vez que o alambrado do local foi destruído, e várias pessoas foram arremessadas para o campo e se machucaram.

Assim, o segundo jogo das finais foi repetido, no Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, com mando de campo para o Vasco da Gama.

O Vasco da Gama marcou com Juninho Pernambucano, Adãozinho empatou e Jorginho Paulista fez 2 x 1, ainda no primeiro tempo.

No segundo tempo, O insaciável Romário decretou o 3 x 1 final.

Pela quarta vez, o Vasco da Gama era campeão brasileiro!

“UMA COISA JOGADA COM MÚSICA” – CAPÍTULO 58

por Eduardo Lamas Neiva

Após o encerramento da música de Douglas Germano houve um silêncio impactante. Porém, logo começaram a surgir aplausos e muitos elogios. Se houve também alguns descontentes, eles se calaram e se afastaram, ninguém viu, nem ouviu.    

Houve depois uma certa dispersão, mas como a bola não pode parar na nossa resenha, Idiota da Objetividade logo se recordou de outra vitória brasileira sobre a Inglaterra.

Idiota da Objetividade: – Contra os ingleses, na casa deles, em Wembley, o Brasil só conseguiu ganhar pela primeira vez em 1981, por 1 a 0, com um gol de Zico.

Garçom: – Lembro bem. Foi o primeiro jogo da excursão à Europa, um ano antes da Copa da Espanha. Depois vencemos a França, por 3 a 1, com um show de bola no Parque dos Príncipes, em Paris, e a Alemanha Ocidental, de virada, por 2 a 1, com Valdir Perez pegando duas vezes pênalti cobrado pelo Breitner, e Cerezo e Júnior fazendo dois golaços.

Idiota da Objetividade: – Que boa memória, Zé Ary! Perfeita descrição dos fatos.

Garçom: – Vamos ver aquele gol?

Zé Ary põe o vídeo para rodar no telão o gol da primeira vitória brasileira sobre a Inglaterra, em Wembley.

Logo após a exibição do gol, muitos olham para Sócrates, que sorri com a lembrança daquela exibição contra a seleção inglesa.

Garçom: – Peço licença aos senhores, mas citar Zico sem ouvirmos uma homenagem musical ao Galinho seria um pecado, não acham?

Ceguinho Torcedor: – Um pecado capital!

Músico: – Aí vamos lembrar do grande vascaíno Paulinho da Viola.

Ceguinho Torcedor: – E por associação de ideias: Roberto Dinamite!

Músico: – Aliás, outro grande amigo de Zico, o Dinamite.

Garçom: – Em breve, o grande ídolo vascaíno estará aqui com a gente. Mas vamos ouvir no nosso sistema de som “Camisa 10 da Gávea”, do Jorge Ben, com a grande Maria Alcina.

Quase todo mundo dança e aplaude ao fim. João Sem Medo retoma a pelota.

João Sem Medo: – Merecidíssima homenagem ao Zico, mas queria voltar ao ano de 59, se me permitem. Além do show do Julinho Botelho, houve o Sul-Americano na Argentina também e a seleção brasileira disputou a competição como campeã do mundo. Mas o título ficou com os argentinos…

Sobrenatural de Almeida (rindo): – O árbitro apitou o fim do jogo quando o Garrincha faria o gol da vitória e do título para o Brasil.

De sua mesa, Mané se manifesta com um gesto indicando que a seleção foi roubada naquela final. E ganha o apoio de quase todo mundo presente.

Ceguinho Torcedor: – Nas três primeiras partidas, a atuação do Brasil foi uma espécie de naufrágio. E contra o Uruguai, antes da final, vencemos no pau e na bola.

Garçom: – Opa!

Todos riem

João Sem Medo: – Na porrada e na bola. Derrotamos os uruguaios por 3 a 1. Eles baixaram o sarrafo e os brasileiros não correram da briga.

Ceguinho Torcedor: – O salto de Didi foi prodigioso. Foi realmente um voo para castigar os uruguaios, que tinham baixado o pau. Batida no futebol, a ex-Celeste, que vive de passado como uma planta de Sol, partiu para a luta corporal. Amigos, foi um sururu de antologia. O brasileiro meteu o braço. E não só o braço: enfiou o pé, deu chute, rasteira, rabo de arraia. Paulinho atravessou o campo para caçar, do outro lado, três adversários que batiam covardemente em Chinesinho. O inimigo pôs sebo nas canelas e deu no pé. Porém, o momento mais artístico da pancadaria foi a monumental intervenção de Didi. Outro qualquer teria usado meios normais, tais como o tapa, o soco, o pescoção, ou a boa e salubre cabeçada brasileira. Didi foi além. Tomou distância e correu. Havia um bolo de uruguaios. E todo o estádio parou no espanto do salto, tão plástico, elástico, acrobático. Essa espantosa agilidade carioca deslumbrou o povo. Com os dois pés, fendeu e debandou o grupo inimigo. A plateia argentina quase pediu bis.

Risadas em todo bar Além da Imaginação. Sem avisar, Zé Ary põe no telão as imagens com os melhores lances e a pancadaria entre brasileiros e uruguaios, em 1959. Quando todos percebem ficam estáticos, atentos a cada detalhe.

Houve um burburinho, todos se voltaram para Didi que se manteve sério, apesar dos gracejos à sua volta. João Sem Medo pegou a bola e partiu em frente.

João Sem Medo: – Na final, contra a Argentina, o árbitro Carlos Robles nos roubou um gol do Garrincha no finzinho do jogo. Ou melhor, antes do fim.

Ceguinho Torcedor: – Ele só admitia contra os argentinos faltas não decisivas. E, no último minuto, excedeu-se a si mesmo. Vale a pena reconstituir o lance: – Garrincha apanha a bola e dispara. Os 120 mil argentinos gelaram. E Robles, o nosso Robles, caiu num pânico convulsivo. Ele percebeu que Garrincha faria o gol ou, pelo menos, reconheceu esse perigo evidentíssimo. Imaginem um gol brasileiro em cima da hora e Robles tendo de reconhecê-lo! Lá no campo do River Plate, que não tinha, para proteção dos visitantes, nem essa tela de arame que o mais franciscano galinheiro exige. Ele, que naturalmente, tem família, surrupiou uns bons três minutos e apitou, apitou histericamente. Ao mesmo tempo a bola estufava o barbante argentino. Amigos, o Robles assassinou o gol brasileiro!

O público do bar se alvoroçou e vaiou o árbitro como se lá estivesse. Zé Ary aproveitou a deixa e dominou o lance com categoria.

Garçom: – Que coisa, seu Ceguinho! Mas Juiz Ladrão também tem música, então vamos colocar aqui no nosso aparelho de som, “Juiz Ladrão”, de Maracai e Muniz Teixeira, na voz da grande dupla sertaneja Lourenço e Lourival. Vamos lá, turma. Quem quiser pode dançar.

Muita gente, incluindo Garrincha e Didi, continuou a comentar sem elogios a atuação do árbitro chileno, mas logo caiu na festa promovida pela música.

Quer acompanhar a série “Uma coisa jogada com música” desde o início? O link de cada episódio já publicado você encontra aqui (é só clicar).

Saiba mais sobre o projeto Jogada de Música clicando aqui.

“Contos da Bola”, um time tão bom no papel, como no ebook. 

Tire o seu livro da Cartola aqui, adquira aqui na Amazon ou em qualquer das melhores lojas online do Brasil e do mundo.
Um gol desse não se perde!

QUEM TE PISOU DOURADA, TE ASSISTE ESBURACADA

por Zé Roberto Padilha

Em 1975, quando foi inaugurado, o Estádio Serra Dourada era o objeto de desejo de todo jogador de futebol. Se para a Dança, a Ópera e o Ballet o palco do Teatro Municipal era o piso mais cobiçado, o Serra Dourada se tornara o mais glamouroso dos gramados brasileiros.

Foi lá que a nossa Máquina Tricolor, com quatro tricampeões mundiais (Félix, Marco Antônio, Rivellino e Paulo Cesar) realizou uma das suas maiores exibições.

Na época falavam que fomos feitos um para o outro.

Tanto tempo depois, na primeira rodada do Campeonato Brasileiro, o estádio, já sob a guarda do Governo de Goiás, se apresenta com inacreditáveis buracos.

Dizem que ele, o gramado, com saudade dos que por lá exibiam a mais pura arte, com o tempo se rebelou diante dos maus tratos. E resolveu ficar à altura do futebol que praticavam.

Será?