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O LATERAL DE 70

texto e entrevista: Sergio Pugliese | fotos: Marcelo Tabach | vídeo e edição: Daniel Planel

O tricolor Evaldo Santana interrompeu o café da manhã light de nossa equipe, croquete e pão com linguiça, na Casa do Alemão, para avisar que nosso entrevistado chegara meia hora antes do combinado. Pagamos a conta e saímos voados! Afinal, um campeão do mundo de 70 não pode esperar!!! Eu, Marcelo Tabach e Daniel Planel entramos no carro, e fomos seguindo Evaldo e Julinho, colaboradores do Museu da Pelada. No curto trajeto pensei como deve ser grandioso poder falar “sou campeão mundial de 70!”. Sei que em 58 tínhamos Pelé, Garrincha e Nilton Santos, mas 70 foi 70. Quantos choram até hoje o corte em cima da hora….Dirceu Lopes, Ademir da Guia, Eduzinho Coimbra, Natal, Silva Batuta. O lateral esquerdo Marco Antônio, 20 anos, titular absoluto, garantiu a vaga sem sustos, mas amargou a reserva às vésperas da estreia do Brasil. Entrou Everaldo, mais marcador, mais experiente.

Com a blusa dos ex-atletas de Ribeirão Preto, Marco Antônio segura uma camisa oficial da Copa de 70

– Não é ele ali? – perguntou o atento Tabach.

E era. Sentado, sozinho, no Bar da Padilha, no bairro Agostinho Porto, em São João de Meriti, onde mora há alguns meses e diverte-se jogando carteado com amigos. Quando entramos levantou-se rapidamente, estufou o peito e ajeitou a camisa talvez para mostrar que continua sem barriga e mantém a mesma elegância dos áureos tempos de Vasco e Fluminense. Respirei fundo e pensei: “Caramba, estou diante de Marco Antônio!”. Para mim, ele não era apenas campeão de 70, mas campeão de 77 pelo meu Vascão! Mazzaropi, Orlando Lelé, Abel, Geraldo e ele, Zé Mário, Zanata e Dirceu, Wilsinho, Roberto Dinamite e Ramon. E, olha, que não sou como os pesquisadores Milton Neves, Paulo Vinícius Coelho e Roberto Assaf, que sabem as escalações até do Íbis de 64. Essa é uma das poucas que decorei. Cansei de ver Marco Antônio cruzar e Dinamite estufar a rede.

– Muito prazer, Marco Antônio!

Peraí, um campeão de 70 não deveria se apresentar, dar o nome, essas formalidades, nem mesmo Baldocchi, reserva de Brito e talvez o mais desconhecido de todo dos convocados de 70. Para mim, bastaria falar “prazer, campeão de 70”. Campeão de 70 não tem nome, campeão de 70 é campeão de 70!!! Mas, naquele momento, minha maior curiosidade era saber que camisa ele estava usando, que time era aquele???

– É dos ex-atletas de Ribeirão Preto. Jogam Guina, Mauricinho….. – revelou.

– Meu Deus, Guina e Mauricinho!!! É demais para o meu coração!!!! E você ainda bate uma bolinha? – perguntei.

– Depois do AVC não deu mais…..

Há alguns anos, Marco Antônio enfrentou bravamente um AVC. A única sequela é a dificuldade para erguer a perna esquerda. Fisioterapia até resolveria, mas cadê a paciência? Duas sessões bastaram para irritá-lo. Sem poder correr, virou técnico do Fazenda, de São João de Meriti, atual campeão da região. Nosso colaborador, Evaldo Santana, do União Esportivo Coelho da Rocha, maior rival, contentou-se com o vice-campeonato, mas, resignado, levou uma camisa para o amigo autografar. Também levamos uma original da seleção de 70, da coleção de Victor Raposo, que o lateral usou durante a entrevista.

– Como é ser campeão do mundo, campeão de 70? – insisti, na esperança que ele pudesse me transmitir essa sensação mágica.

– Normal, passou, acabou. Hoje sou campeão do Fazenda….

Búfalo Gil numa de nossa conversas um dia soltou: “da pelada viestes à pelada voltarás”. Nada mais certo!!!! E Marco Antônio nunca se iludiu, nunca foi rico, nunca tirou onda. No primeiro dia no Brasil após conquista do título mundial, no México, nem quis ficar no buxixo de Copacabana, onde morava, e correu para a casa da namorada, em Quintino. É tão discreto que o árbitro José Marçal Filho nem viu o empurrão dele no goleiro Ubirajara Motta, no gol de Lula, na final do Carioca de 71, que deu o título ao seu Fluminense por onde também foi campeão brasileiro. Antes da gravação, porém, gargalhou e assumiu o empurrão, mas com a câmera ligada fez ar sério e negou.

– Coloque o pé sobre a bola – pediu Tabach, o genial fotógrafo.

Naquele momento ficou claro que o campeão não deveria ter abandonado a fisioterapia. Forçou a perna, mas ela não respondeu, só com a ajuda das mãos. Na seção de fotos posou em frente a centenas de engradados de cerveja. Assume que a bebida sempre o acompanhou desde os tempos de Vasco, quando bebeu demais, dormiu no carro, chegou atrasado ao treino e quase foi barrado por Orlando Fantoni. O presidente do clube, Agarthyno da Silva Gomes, interferiu e garantiu sua escalação para a rodada de domingo.

– Joguei e fiz dois gols.

Mas na Copa de 70 não teve presidente que garantisse a sua vaga de titular. Poucos dias antes da estreia do Brasil, conta que Gerson liderou um movimento para barrá-lo. Organizaram uma reunião secreta e quando Félix saiu do quarto que dividiam foi junto. Achava que o goleiro fosse fumar, sempre fumavam juntos, mas Félix o advertiu: “vou numa reunião, você fica”.

– Eles tiveram um momento de trairagem, mas amo todos eles. Fomos campeões e é o que importa.

Mas ficou clara a decepção pela forma com que o grupo conduziu sua barração. Olhar distante, como se voltasse no tempo, mudou de assunto, preferiu explicar o nó tático que deu no adversário na conquista do título do Fazenda….“escalei três zagueiros”. Levantou-se com dificuldade e caminhou até a mesa onde estava seu maço de cigarros. Estava seco para fumar. Colocou os óculos, soprou a fumaça, olhou pela janela do boteco e comentou com Evaldo….“o Fazenda vem forte esse ano”.

Julinho, Marco Antônio, Evaldo Santana, Sergio Pugliese, Daniel Planel e Marcelo Tabach