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O BAILARINO DA TOCA

entrevista: Matheus Rocha e Omar Franco | texto: Matheus Rocha | vídeo: Léo Souza

Em um mundo cada vez mais politicamente correto – para não dizer: “mais chato” – há certas malandragens de anos atrás que ainda seriam válidas. Não digo a malandragem que burla a regra ou que tenta desestabilizar emocionalmente o adversário. Me refiro à malandragem que leva em conta a atenção do adversário. Aquele lateral cobrado para o atacante esquecido pela defesa, aquela cobrança de falta ensaiada cheia de criatividade ou ainda aquela falta batida de forma mais rápida enquanto o adversário discute com outrem do jogo… Sempre alguém se lembra desse tipo de lance. Mas raros são os casos em que este tipo de lance decidiram campeonatos. Digo mais, decidiram campeonatos internacionais.

Nenhum outro exemplo é tão marcante quanto daquela noite de 1976, em Santiago no Chile, onde dois times estrangeiros decidiam a Copa Libertadores daquele ano. Um time argentino e um time brasileiro. Um time brasileiro com atacantes jovens e brilhantes, como Palhinha e Joãozinho contra um time argentino com uma zaga experiente formada por Passarela e Perfumo, este último considerado por muitos cruzeirenses um dos maiores zagueiros que já passaram pela Toca da Raposa (entre os anos de 1971 e 1974).

Mas poucos se lembram dos dois gols marcados por Nelinho e Eduardo, muito menos dos gols sofridos pelo Cruzeiro. O que todos se lembram é daquele gol antológico, irresponsável, que trouxe a única Taça Libertadores durante a década de 70 para o Brasil. Antes disso, somente o Santos, 13 anos antes, havia ganhado o bi campeonato do troféu mais importante das Américas.

Sabe aquele jogador que merece fazer o gol do título? Devemos voltar meses antes para entender. O maior jogo que o Mineirão já viu em toda sua existência desde 1965, ocorreu naquela Libertadores de 1976 em um confronto histórico entre os finalistas do último Campeonato Brasileiro disputado (1975) Cruzeiro e Internacional pela primeira fase (só classificava um time por grupo), no qual o Cruzeiro ganhou por 5 a 4. Nas palavras de meu pai: “Joãozinho destruiu, foi o melhor em campo. Eu vi ele deixando dois no chão com um só drible!”.

Se pudéssemos dizer que havia alguém que merecesse fazer o gol do título, por que não o melhor jogador do melhor jogo daquela Copa Libertadores? Aos 43′ do segundo tempo, enquanto Nelinho se virava para soltar aquela bomba e o juiz saía de próximo a barreira, Joãozinho colocou – como se fosse com a mão – lá no ângulo. Ouvindo a narração original no rádio do saudoso Vilibaldo Alves gritando seu famoso “Adivinhe!”, seguido da evocação sobre a alma de Roberto Batata – companheiro de ataque de Joãozinho, vítima fatal de acidente de carro pouco mais de um mês antes daquele jogo – realmente é uma narração de arrepiar, de fazer os olhos suarem…

Ali o bailarino azul entrou de vez para a história, com a sua malandragem, avaliando a atenção do goleiro reserva Landaburu (assumiu o posto de titular, após o titular Fillol machucar em dividida com Palhinha no primeiro jogo da final). Joãozinho aprendeu aquilo na base da observação, já que o time do River Plate o ensinou ao empatar com um gol minutos antes com uma cobrança de falta rápida de Alonso e chute cruzado de Urquiza. Ele havia ficado incomodado com aquele empate, daquela forma.

O drible, o zagueiro no chão, agilidade nas pernas e a rapidez no raciocínio. A cobrança daquela falta decisiva resume a história e a cultura do futebol brasileiro. Sim, irresponsável! Mas inesquecível! O resto é história…