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resenha de ouro

entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Mendonça | foto: Marcelo Tabach | vídeo: João RGB House | edição de vídeo: Daniel Planel

 

“Eu jogo bem desde que nasci”. A frase sem nenhuma modéstia não poderia ser de um peladeiro qualquer. Considerado o rei dos lançamentos e um dos maiores jogadores da história do futebol mundial, Gerson bateu um papo com a equipe do Museu da Pelada no Estádio Caio Martins, durante a final do torneio do Instituto Canhotinha de Ouro

Nascido e criado em Niterói, onde deu os primeiros lançamentos no Campo de São Bento, em Icaraí, o ídolo do Botafogo estava acompanhado do amigo inseparável Luis Carlos. Apaixonada por futebol e com talentos visíveis, a dupla, que também jogava peladas na Praia de São Domingos e em todos os extintos campos de Niterói, passou a jogar no timaço do Canto do Rio. Depois de rodarem por alguns clubes nas divisões de base, chegaram ao Flamengo e, enquanto Gerson decidiu seguir na carreira, Luis Carlos optou pelos estudos.

– Eu não tenho dúvidas que, se ele continuasse jogando, chegaria a seleção! – cravou Gerson.

Em 1959, ao mesmo tempo em que Luis Carlos estudava para se tornar um excelente professor, Gerson encantava a torcida rubro-negra com passes mágicos e lançamentos de cinema, ao lado de Dida, Joel, Carlinhos e Germano, com apenas 18 anos. A passagem pelo Flamengo, no entanto, seria abreviada em 1963. Após uma confusão com o técnico Flávio Costa, o Canhotinha conversou com o presidente Fadel Fadel, que, de cabeça quente, decidiu colocar o passe do jogador à venda.

Após a decisão do presidente do Flamengo, Gerson pegou a lancha de volta para Niterói e encontrou Quarentinha consertando carro numa loja. Explicou a confusão para o ex-jogador, que terminou o serviço às pressas para resolver imediatamente a situação do talentoso meia.

– Ele me levou no Botafogo para conversar com o presidente. Expliquei tudo e fiquei esperando o telefone tocar no dia seguinte. O presidente depositou o dinheiro e passei a treinar no Botafogo. Foi tudo muito rápido! – lembra Gerson.

(Foto: Guilherme Careca)

Arrependido, Fadel Fadel ainda tentou conversar com Gerson para voltar atrás na decisão, alegando ser um mal-entendido, mas não adiantou. Se no Flamengo o menino despontava como um grande talento, no Botafogo o Canhotinha explodiu e ganhou ainda mais projeção. No Glorioso, ao lado de Garrincha, Jairzinho, PC Caju e Roberto Miranda, o “Papagaio”, apelido que ganhou por falar demais, foi bicampeão carioca, além de ter conquistado a Taça Brasil de 1968.

Durante a resenha, o Canhotinha se emocionou ao falar de Jair da Rosa Pinto, Zizinho e Didi, seus grandes mestres no futebol. Apesar de ter sido companheiro de equipe apenas do último, Gerson revelou que eles eram suas referências no futebol e procurava se espelhar.

– O Zizinho jogou com meu pai e ele me dava as dicas após os jogos. Os jogadores de hoje em dia não têm mais essa referência. Os treinadores, com todo respeito, não tiveram a vivência e não jogaram a mesma coisa que esses caras!

Além disso, o Papagaio lamentou o fato dos jogadores de hoje em dia não sentirem falta dessas referências e não mediu palavras para comparar o futebol “moderno” com o do passado.

(Foto: Guilherme Careca)

– Antigamente era muito mais romântico, hoje em dia eles não sentem nada! Eu não entraria na seleção do Tite por vergonha! Quando alguém me diz que o Garrincha não jogaria o futebol de hoje por causa do físico, eu levanto e vou embora!

E o Canhotinha não parou por aí:

– Futebol não se aprende, se aperfeiçoa. Jogador de futebol é igual pintor, nasce com o dom! Se não sabe jogar, vai dar bico, carrinho, coisas que a gente vê por aí!

A exigência do Canhota não é por acaso. Por onde passou, o craque consagrou os atacantes com seus lançamentos precisos e encantou a torcida com um toque diferenciado. Depois do Botafogo, Gerson se transferiu para o São Paulo e ajudou o clube a conquistar o bicampeonato paulista, já com quase 30 anos de idade.

Além de ter sido convocado para a Copa do Mundo de 66, quando atuava pelo Botafogo, foi peça fundamental na conquista do tricampeonato mundial, em 70, marcando, inclusive, um belo gol na decisão contra a Itália.

– A seleção de 58 era tecnicamente melhor, mas a de 70 era muito mais organizada taticamente. A base foi montada dois anos antes.

Embora tenha recebido propostas milionárias do Milan e do Bologna, o Canhotinha nunca jogou fora do Brasil. Encerrou sua carreira no Fluminense, time do coração, em 74, tendo conquistado o Carioca de 73.

Como os craques costumam ser perseguidos pelos marcadores, às vezes com pontapés, Gerson admitiu que não deixava barato. De acordo com o Canhota, ninguém gosta de apanhar.

– Eu não dava pontapé em ninguém, mas não gostava de levar. Como sempre tinha um atrevido que dava, eu não deixava barato. Aprendi que bola dividida é terra de ninguém, quem chegar primeiro leva!

No início da carreira, no Flamengo, foi escalado para marcar Garrincha. Embora tenha resistido inicialmente à orientação do treinador, teve que exercer a função, perdeu de 3 a 0 e ainda saiu como “joão” do Garrincha. Mesmo assim, não apelou para os pontapés.

Depois de se aposentar, Gerson passou a se dedicar às peladas que, de acordo com ele, são muito melhores que as partidas profissionais pela resenha, provocação, churrasco, chopp, entre outras coisas.

– Futebol é minha praia! Parei de jogar depois que operei a coluna, com 60 anos. Sinto muito de não poder mais bater minhas peladas.

Além das peladas, Gerson também sente falta dos extintos pontas no futebol. Peças fundamentais e consagradas pelos lançamentos do Canhotinha, os jogadores que atuam pelas beiradas do campo, dando velocidade ao time, são cada vez mais raros.

– Ter os pontas abertos facilitava o trabalho do meia. O meia precisa dar um lançamento pra um cara rápido, isso surpreende o time adversário! Hoje em dia, os pontas são escalados pra marcar o lateral.

A resenha divertidíssima só chegou ao fim porque Gerson teve que entregar a premiação para os meninos que disputaram o torneio da sua bela instituição em Niterói.