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O HERÓI DE 60

entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Felipe de Lima | fotos e vídeo: Daniel Planel 

‘CONDENADO’ NO BANGU E ‘ABSOLVIDO’ NO AMÉRICA, CALAZANS FOI UM DOS MELHORES PONTAS DE SUA ÉPOCA

O ponta-direita José Alves Calazans nasceu em 16 de agosto de 1934, em Salvador. Lançado pelo treinador Tim, iniciou a carreira no Bangu, onde jogou entre 1953 e 1957 ao lado do irmão Zózimo, bicampeão mundial pelo Brasil nas Copas de 1958 e 1962, e de Zizinho, Nívio, Décio Esteves, Moacir Bueno, dentre outros. Do Bangu, clube com o qual foi bicampeão juvenil [hoje juniores] em 1952 e 53, transferiu-se para o América em 1958, quando foi contratado para a vaga deixada pelo ponta Canário, que seguiu para o Real Madrid.

Calazans chegou a defender a seleção brasileira. Foi campeão da Taça Oswaldo Cruz, disputada sempre contra o Paraguai, em 1955, e da Taça do Atlântico, contra Uruguai e Argentina, em no ano seguinte.


Quando jogou no Bangu, Calazans submeteu-se, como destaca reportagem na Manchete Esportiva de 1957, a uma espécie de tribunal entre os atletas e a comissão técnica. No comando, Gentil Cardoso. Julgavam e puniam… ou absolviam. Calazans foi o primeiro, digamos, réu, do “tribunal” banguense, e Gentil Cardoso uma espécie de promotor. Teria dito Gentil o seguinte: “O réu desrespeitou a chefia da delegação em viagem. Alimentou discussão e recusou-se a parar quando foi advertido. No Rio, concedeu entrevista e disse inverdades, colocando seus superiores em situação difícil. O júri não tem outro remédio. Há necessidade de um corretivo. Por isso, embora contrariado, peço que seja proclamada a condenação dentro do que reza o seguimento interno: multa de 60% dos vencimentos, ou exclusão sumária do clube!”

A punição pedida pelo “promotor” era pesada. O “advogado de defesa” do ponta Calazans pede a palavra. Aliás, o “doutor” em questão era Zózimo, irmão do craque-réu.

“Tenho em mim, que, por justiça o réu não pode ser acusado de indisciplinado. Qual foi o seu crime? Discutir com um bêbedo! Sim, porque o sr. José Pinto de Oliveira [massagista Pastinha] chegou embriagado ao Hotel e foi quem iniciou a discussão. Aqui, o réu deveria ser outro e não o meu constituinte. E vou mais longe, culpado também é o chefe da delegação. Naquele instante, o sr. José Pinto de Oliveira deveria ter sido cortado da delegação. Mas houve falta de pulso para fazer isso.”

Deu para perceber que o bate-boca “jurídico” entre “promotoria” e “defesa” futebolísticas ia longe. Com o fim das performances, o júri, composto pelos jogadores sorteados Ubirajara Motta, Décio Esteves, Hilton, Alcides, Joel, Nilton e Darcy, retirou-se para deliberar a sentença ou inocentar o “réu”. Calazans foi considerado culpado, mas com atenuantes. Ficou, de acordo com o código disciplinar do “tribunal” banguense, multado em 30% de seus vencimentos. Coube recurso. Zózimo ponderou à “instância máxima” no Bangu: a presidência do clube. O zagueiro alegou que Calazans era réu primário. Mesmo assim, no ano seguinte a este episódio Calazans trocou o Bangu pelo América.

Lendas à parte, o excelente ponta esteve na final do último título estadual do América, em 1960, contra o Fluminense, numa espetacular virada de 2 a 1, gol do lateral-direito Jorge, sob o comando do técnico Jorge Vieira, que tinha apenas 20 anos na ocasião. Para Calazans, o vaticínio do craque Didi, do Botafogo, estimulou o time: “Quando nós empatamos [no primeiro turno] com o Botafogo em 2 a 2, o Didi me disse que ninguém poderia vencer o América. Dito e feito. Dali para frente disputamos outras 13 partidas e não perdemos mais nenhuma.”

Veio o returno e o time de General Severiano cedera novamente um empate para o América, que perdia de 3 a 2. O gol salvador de Calazans, que garantiu o empate, abriu o caminho para a grande conquista diante do Fluminense, no jogo seguinte. “O Antoninho cruzou e não tive dúvida. Bati de primeira, da linha de fundo, sem ângulo, entre a trave e o Manga.”

José Trajano relembra o destino de alguns dos campeões do América após a antológica conquista, entre os quais Calazans: “Veio o gol de Jorge, o título de primeiro campeão do estado da Guanabara, e a dura realidade. Amaro foi vendido para o futebol italiano. Djalma Dias se transferiu para o Palmeiras. Ivã saiu para o Botafogo. Calazans e Quarentinha para o Fluminense e acabou o time campeão de 1960 […] Calazans, quando chegou ao América, levava um grande cartaz, pois tinha jogado numa linha de cobras do Bangu e ao lado de Zizinho. Quando saiu para o Fluminense tinha uma mágoa do América – ‘Nem faixa de campeão me deram. A única que tenho é uma azul e branco dada pela Rádio Guanabara’. Hoje, aos 40 anos, trabalha na Secretaria de Segurança e joga no time da repartição dirigida pelo ex-goleiro Ari.”


Como Trajano recordou, depois do América, Calazans se transferiu, em maio de 1961, para o clube das Laranjeiras, mas sem o brilho que obteve no América. Sobre a ida para o Fluminense, o jornal O Globo escreveu: “De Campos Sales para Laranjeiras, Calazans, o ótimo ponta-direita campeão da cidade pelo América, esteve ontem à noite na residência do vice-presidente de Futebol do Fluminense, Dilson Guedes, e assinou contrato com o grêmio das Laranjeiras. O ex-rubro receberá por dois anos, entre luvas e ordenados, 45 mil cruzeiros mensais, e a sua estreia na equipe tricolor poderá ser feita amanhã mesmo, diante do Bahia, nas Laranjeiras. Hoje pela manhã o craque esteve em Campos Sales, despedindo-se de seus antigos companheiros e dirigentes.”

No dia seguinte após a negociação com o Tricolor, José Fenerich, contador do Fluminense, foi à sede do América, na rua Campos Sales, entregar o cheque de um milhão e meio de cruzeiros, referente ao pagamento do passe de Calazans. Mas, no Fluminense, Calazans não brilhou no time principal. Atuava mais no time de aspirantes e amadores, com o qual foi bicampeão carioca da categoria, em 1962 e 63. Seguiu para uma curtíssima temporada no Bahia, que durou apenas seis meses, em 1964, e voltou a futebol carioca para ser o capitão do São Cristóvão, em 1965, sendo peça decisiva no time campeão da segunda divisão do campeonato carioca.

O craque deixou os gramados sem muitos recursos. Foi motorista de deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Apesar de aposentado pela Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, Calazans passou a trabalhar para um projeto esportivo da Prefeitura do Rio que atende crianças de toda a cidade.